Não consegui, sozinha, gerenciar minha casa. Já que não suporto sujeiras e não tenho ânimo para limpá-las e curto muito mais ler um livro, contratei uma nova empregada. Essa tem ligações com São Paulo; no sotaque e no jeito civilizado. Chama água sanitária de "Cândida". E conversa comigo enquanto lava os pratos, olha para trás e diz que tem um namorado em Salvador. "É, dona Ângela, eu pegava, sabe, voos noturnos e vinha de São Paulo ver meu namorado, aproveito a vida."
É uma profissional, percebe-se pela discrição e talento para servir uma mesa.
E parece-me que gosta muito do que faz. Cozinha bem.
Só que reclamou hoje ter recebido uma empreitada daquela. Convidada para dormir com uma amiga de uma amiga, pago, claro, essa amiga da amiga quer prosa todas as noites antes de cada uma se recolher para seus respectivos quartos.
- Ai dona Ângela, está complicado. Ela precisa arrumar uma dama de honra. (Diz assim com bastante calma e elegância.) Ela conversa muito, sabe? Muito solitária!!
Fico me perguntando se também sou conversadeira. Acho que não. Só dou brecha para prosa na hora das refeições. Fora disso fico no escritório lendo e escrevendo. Ela nunca me interrompe. Muito decoro.
Espero que tudo dê certo dessa vez.
Sinto minha casa habitada. As paredes parece que conversam entre si, e os cômodos dialogam pela parede. Há algo no ar que quebra a solidão nefasta dos últimos tempos.
sexta-feira, 4 de julho de 2014
Leide
Leide era uma senhora tipo clariceana, sabe, meio altiva e meio
triste, sempre com óculos escuros, solitária, não constituiu família. Vivia de
favores de parentes, de parcos abraços de aniversário e de visitas de
compaixão. Uma quarentona, quase beirando os cinquenta, queria amar e não tinha
a quem. Até que um sobrinho longínquo, lá das bandas do Ceará, lhe ligou. O
telefone que nunca emitia som, emitiu naquela tarde. Ele estava se mudando para
São Paulo, passara no vestibular de filosofia, e precisava de um apartamento,
algo pequeno, para alugar. Nossa, que felicidade a de Leide! Arrumou-se na
mesma hora, pegou o primeiro táxi e foi olhando as placas nos apartamentos. A
cada um que entrava, feliz, com seus óculos escuros, ela exclamava uma
mentirinha boa, sabe, uma mentirinha que lhe completava a solidão:
- Sabe, é para meu filho, quero algo bom!
Visitou vários apartamentos, sempre dizendo o mesmo texto, às vezes com uma mentirinha ainda mais terna:
- É para meu filho, sabe, um rapagão bonito, que eu amo muito, e quero encontrar o melhor lugar para ele!
Ai Leide, como dói a vida...
Visitou vários apartamentos, sempre dizendo o mesmo texto, às vezes com uma mentirinha ainda mais terna:
- É para meu filho, sabe, um rapagão bonito, que eu amo muito, e quero encontrar o melhor lugar para ele!
Ai Leide, como dói a vida...
terça-feira, 13 de maio de 2014

Cotidiana

segunda-feira, 12 de maio de 2014

nem tenho paciência para colocar título nesse texto
Os primeiros índios que aqui moravam ao darem de cara com os primeiros colonizadores portugueses endoidaram com seus badulaques. Olhavam, tocavam. Podemos dizer que em primeira instância, óbvio,os portugueses foram muito dos bem recebidos. Restou-nos portanto como herança, a nós brasileiros pós achamento do Brasil, essa adulação com os badulaques dos estrangeiros. Basta, pois, uma criatura branca travar a língua, lá vai o povo adular. Basta uma criatura de olho claro pintar uma tela por aqui vira um grande artista. E por aí vai. Se eu pudesse enxotava um por um. Isso vale também para os estrangeiros do sul: quem vem daquelas plagas do sul do brasil e que se acha europeu e chega por aqui botando banca de bonito. Poderíamos nós cá do nordeste brasileiro mandar tudo se catar. E quem é tirado a artista, se catar primeiro: vão embora maleditos com suas telas de enganar besta e seus versos equivocados ganhando concurso do lado de cá só porque parecem gringos. O ideal seria botar esse povo todo num caminhão e mandar para o sertão mais seco do nordeste: sem água nem para lavar o sovaco. Aí sim iriam virar gente de verdade.
sobre minha casa
Em muitos países não existe essa de ter empregada doméstica. Estou refletindo muito sobre tais coisas nos últimos dias. Minha casa é pequena, e quero tê-la só para mim. E a moça que há dois meses vem todos os dias fazer comida, arrumar a casa, lavar roupas,esses quefazeres que uma casa exige, não fala comigo. Vejo-a sempre de costas na pia. Se falo com ela, ela responde de costas mesmo, grungunando. Como ainda não sei gerenciar uma casa, deixo por sua conta e risco o cardápio. E eu nem preciso adivinhar o que me espera na mesa: frango, um feijão mumificado, um macarrão já morto desde domingo, e que ela reaproveita, e uma salada sem qualquer estética. Perguntei a ela porque o frango não foi utilizado para omelete, e ela responde secamente, de costas, que eu disse que não gosto de gorduras. Replico dizendo que ela própria um dia fez um sem gordura. Digo, "você também poderia fazer uma panqueca". Aff, ela de costas repete: "panqueca". Por que, misericórdia divina, todo dia treino para despedi-la e na hora agá falta coragem? Todo dia digo pra mim mesma: de amanhã não passa. O que não passa é minha morredeira, já que a cama virou meu esconderijo; sim, me escondendo DELA; para não ter que vê-la.
Agora, nesse momento em que escrevo isso, vejo-a de costas sobre a pia. Tudo na criatura me enerva, me dá impaciência e infelicidade.
Penso: posso muito bem voltar a ter minha casa só para mim. Posso até aprender a cozinhar. Posso até aprender a gostar, quem sabe, e lançar um livro de receitas?
Uma coisa é certa: quero minha casa só para mim. Minha pia só para mim. Nunca, nunca ficarei de costas na pia. Eis o trauma. Lavarei um prato e olharei para a porta, em busca de alguém, alguém. Existe sempre alguém atrás da pia. É isso que treino dizer para essa moça no dia em que tiver coragem de despedi-la. E não vai demorar. Amém.

domingo, 11 de maio de 2014
de volta para o aconchego
Ser fiel a si mesma também implica sair de cena. Fechar a cortina por exemplo. Cortina rasgada, velha,como é a cortina do Facebook. Deixei aquilo lá, porque quero continuar fiel a mim mesma, e ali é teatro de quinta categoria. Saí por puro instinto de sobrevivência, senão iria morrer verde de raiva, em tempos do retorno de Hulk.
Volto sem poesia, mas com memória, que esta é a minha assinatura.
Volto com Andaraí, minha terra, na alma, pulsando, transcendendo uma mera topografia.
Ontem assisti novamente ao "Cascalho". Um primor cinematográfico. Volto então com Tuna Espinheira, com Herberto Sales, com a força dessas duas obras: literária e cinematográfica. Volto para meus discos, meus filmes e meus amigos.
Abaixo, os dois grandes artesãos: um da palavra verbal (Herberto) e o outro da imagem (Tuna Espinheira)
"


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