terça-feira, 23 de outubro de 2007

Sílvia Clotildes

Em frente a este computador tem um mural com várias fotos: meu sobrinho, vestido de "Senhor Incrível", Drummond de Andrade falando que "...a hora mais bela surge da mais triste", eu e minha afilhada Mariane (linda) na porta da "Casa do Olodum", Cecília Meireles em meio a muitas flores, Iemanjá, uma fota panorâmica de minha cidade natal, e um bilhete muito, mas muito antigo...
O bilhete começa assim: "Amiga A. Desejo muitas felicidades e que a partir dos seus catorze anos você tenha uma vida cheia de alegria e amizade a todos." A seguir fala muitas outras coisas, como "às vezes eu lhe abuso, aliás sempre; mas amigo de verdade tem que compreender o outro", etc. Depois assina seu nome: "Sílvia Clotildes", e desenha em frente uma flor azul com vários ramos verdes espevitados.
Esse bilhete para mim é um símbolo. Por isso nunca o retiro do mural.
Esta é a minha amiga Sílvia, lembram-se? Aquela, que me dava cascudos na escola, que me batia, e que minha irmã batia nela para descontar. Minha primeira amiga. Quando nos conhecemos tínhamos seis anos de idade. Íamos juntas para a escola. Sentávamos juntas. Ela explorava de mim para pegar merenda para ela. Conversávamos. Brincávamos. Ela me batia. Eu nunca revidava: não tinha coragem e força para isso. Crescemos juntas. Ela me dizia sobre as coisas do mundo que eu não acreditava. Dizia que não existia papai noel, nem cegonha, muito menos existiu arca de Noé e o próprio Noé. Muito menos Deus. Eu nunca acreditei nessas mentiras dela. E continuava sua amiga, a despeito de seu gênio terrível e mentiroso. Nunca me esqueci do vestido que ela usava no dia em que nos conhecemos na sala de aula: um vestido cheio de flores. Logo fizemos amizade. E quando a professora pediu que desenhássemos uma casa e eu fiz a minha com telhados coloridos, ela me recriminou: "ei besta, telhado não é dessa cor não, é marrom". Eu não acreditei nisso. E pintei o meu telhado colorido. Todos esses desencontros, porém, nunca impediram que nossa amizade continuasse. Ela habitualmente antenada com as coisas da vida, eu sempre alheia, no mundo da lua, mas juntas. Acho que uma amparava a outra na dificuldade de podermos ser amigas diante de diferenças tão cruéis.
Na adolescência também vivenciamos muitas coisas juntas. Ela,claro, invariavelmente adiantada. Namorou cedo, enquanto que eu ficava com inveja. Aliás, foi a inveja que sempre temperou nossa amizade. Quando crianças, se mãe comprasse um sapato para mim, ela também precisava ter um igual, e vice-versa. Quando já crescidas, a inveja continuou transparente: se eu ou ela comprássemos um disco novo, a outra tinha que comprar um também, igualzinho. Aceitávamos nossas invejas mútuas numa boa.
Eu saí de nossa terra, para fazer faculdade, aos vinte e cinco anos. Ela lá ficou. Não quis dessa vez ser fiel à inveja, algo tão peculiar à nossa amizade. Atualmente tem três filhos, e eu não tive inveja, não quis fazer o mesmo. Mas continuamos amigas. Falamos tudo, uma na cara da outra. Amizade límpida, sem máscaras. Sustenta-se no mundo de maneira gratuita, sem cobranças. Sem explicações.

7 comentários:

Vivz disse...

Mostra isso pra ela. Ela vai amar. :)

Senhorita B. disse...

Que homenagem linda!
Beijos,
Renata

katherine funke disse...

tua irmã-amiga, então!

Unknown disse...

minina!!!!!!!!!!!!!!
que negocio lindo e mentiroso ! só te bati uma vez danada, quando vc falou "arto afalante"! lembra? se não se lembrar vou bater de novo.
foi divertido ler agora ao lado de joão pedro e o filho de valmir, eles riram que só!
somos lindas de dá inveja em qualquer amizadezinha por aí, afinal tem mais de trinta né, não podemos revelar nossa idade tão preciasamente. Te amo vc é o máximo maravilhosamente explenderosamente escrevedora de coisas boas que diverte principalmente quem é focoo da estória

Lidi disse...

Espero que minhas amizades durem tanto e sejam tão belas como esta. As tuas memórias me enlevam. Um beijo.

Wandson Passos disse...

Acho que vou passar uns dias aqui. Me encontrei em algumas dessas palavras...

=)

aeronauta disse...

que bom,Wandson!!!