Postagem de número 71. Não sei se vai ao ar. Não sei se passará pelo crivo cruel de minha leitura. Sou cruel comigo: na adolescência eu mordia meu braço quando estava com raiva. Mordia até ver o formato de meus dentes na pele. Era como se eu mordesse o mundo, com todo o veneno possível que havia em mim. Não sou flor que se cheire, como dizia minha mãe. Não venha para cá com dó de mim, que lhe cravo os dentes. Já pensei muitas vezes em matar. É, com revólver. E bem no meio das costas do fulano. Aquelas costas brancas, nojentas, que abraçavam uma outra pessoa. Aquelas costas que não vão me dar agora a infeliz idéia de um trocadilho clichê. Aquelas costas que são a parede branca, insustentável. Não, essas costas não merecem metáfora nenhuma, nem as piores. São costas largas, frias, cheias de odores. E que nunca me quiseram.
É, não sou mesmo flor que se cheire. A cara e o tamanho enganam. As palavras também. Já me atirei diversas vezes num rio anônimo que passava no fundo de minha alma. E cada vez que fazia isso mais minha alma renascia. Ah, "Eis a noite!" como escreveu João Alphonsus! "Eis a noite!" - conto que me deixou boba de emoção como uma solteirona - uma mulher "entrada em anos", bem machadeana. Ah, "Eis a noite!", repito bem alto para alguém na rua me ouvir, e me ver da janela acenando.
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5 comentários:
Putz! O que é isso? O que aconteceu? Que explosão mágica impressionante! Raimundo que partiu pra São Paulo...belo mote, que deve gerar outro belo texto. Estou impressionado com o vigor e com a qualidade literária dos seus posts...o que tem sido natural, registre-se. Abr. Carlos
Adorei os seus dentes!
"Já me atirei diversas vezes num rio anônimo que passava no fundo de minha alma" Lindo, isso é seu mesmo? Lindo demais.
É meu mesmo, Críticas. Achei lindo o seu elogio (rs). Bjos.
e eu adorei o texto todo. morder o braço é um aprática que da certo, por pior que seja.
beijos
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