quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
De volta para casa
Hoje à tarde cheguei de lá. Uma viagem longa, sofrida. Os pés ficaram inchados. O vento que vinha da janela do ônibus era quente, abafado, e eu me sentia mais velha de que quando para lá fui, na quinta-feira. Fui passar o carnaval, vejam só, na casa que não mais existe. Não, não vou dizer como Bandeira que a menina ainda existe. A menina existe tanto quanto a casa, que é outra. Mas lá dentro ainda existem muitas coisas, inclusive o antigo rádio sobre o guarda-louça... O Rio Gafanhoto meio morto, meio vivo, e uma nostalgia terrível na umidade das paredes que o corredor ainda guarda. Mãe me esperava, com abraços e bolos. Os sobrados na praça, estáticos, lembravam de minha irmã colocando rabos de papel nos garis enquanto estes retiravam as gramas do calçamento, perto do sindicato onde pai trabalhava. Parece que eles, os sobrados, na hora em que passei pela praça, saíram um pouco de sua imobilidade para rirem dessa lembrança. Eu ri com eles.
Ah, voltemos à casa. Essa nova casa que construíram no lugar da outra tem quatro quartos. A outra tinha apenas dois. Só que um desses quatro quartos é um museu - com a porta sempre fechada. É um museu familiar. Lá estão duas televisões: uma preto e branco da década de setenta (aquela que ainda traz uma capa verde e o galo da tv aratu desenhado) e uma colorida da década de 80. Embaixo da televisão preto e branco está Drumondina, coitada (lembram-se dela?), triste, envergonhada... Perto, duas máquinas de costura, uma da década de 60 e outra da década de 80, murmuram ressentimentos de outrora. Próxima à janela uma radiola (isso mesmo: radiola), já se deteriorando por causa de um cupim zombeteiro, em silêncio rememora os velhos discos de Vicente Celestino. Sem contar que, na parede, um Cristo, que pertencia a pai, morre a cada dia no mais triste desterro. Ao lado os meus santos queridos: Cosme e Damião (dois pares) e o Santo Antônio de minha adolescência lhe fazem companhia. Entretanto, mesmo, o mais triste não é isso. O mais triste é o caso da geladeira...
... No dia em que cheguei, a geladeira larga, vermelha, de minha infância, anunciava já sua ida para o museu. E eu ajudei nisso. Eu, algoz de meu passado, comprei uma nova geladeira para mãe, e a geladeira vermelha foi parar lá, perto de seus antigos companheiros. Porém, para a digníssima dama entrar no quartinho foi difícil. Chamamos um batalhão de homens, mas a dita cuja é larga, gorda, substancial, negava-se a entrar. O jeito foi fazê-la encarar sua nova vida entrando pela janela. Senti de perto sua contrariedade. E na hora em que a outra, a nova geladeira, branquíssima, chegou, morri um pouco... Fechei a porta do quarto, ou melhor, do museu, sem olhar para nenhuma dessas coisas que lá sobrevivem a duras penas... Sei agora, apenas, que também estou lá, no meio delas.
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6 comentários:
Oh, Aeronauta, é sempre tão bom ler os seus textos. Sinto-me em casa aqui. Beijos...
Mas que beleza, Aérea Persona, que beleza. Quando crescer, quero escrever assim. Parabéns, abr., feliz retorno, mais textos desses, tudo de bom, saudades, (carlos)
Você traduz com estes seus textos a mesma memória de todos nós que viemos do interior. Parabéns.
Será q eu poderia saber o nome dessa cidade?? Quero me localizar! bjus nauta!
Oi, Nauta, estou estreando no seu blog. No seu retorno para casa com o vento quente vindo da janela do ônibus, achei que iria me encontar em algum lugar nas entrelinhas. Que pena! Adorei a foto da "cidade afogada" e o poema "Visão"; E para continuarmos rindo: "há alguns probleminhas de pontuação no seu texto". (rsssss!!).Aguardo contato.
Bjs.
Só agora consegui ler "de volta para casa". E aquela foto conseguiu fazer em segundos o que anos de terapia jamais conseguiria.Senti uma tristeza misturada com saudade. Saudade de nós.Corri para o telefone e de coração aberto disse o que nunca tive coragem de dizer. Choramos juntas num perdão mútuo.Obrigada por me deixar mais leve.
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