terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Um encontro com Emily Dickinson

Emily Dickinson está passando por aqui. Vestida de branco, que era a sua forma de viver. Isolada do mundo. E amando um homem. Amando para sempre um homem. Perdendo a cada dia esse homem, pois que nunca o teve:

O Perder Tudo - me livrou
De perder Ninharias


... Sabia ela das urdiduras das coisas impossíveis:

O Impossível, como o Vinho,
Enche de entusiasmo
Quem dele prova - o Possível
Não tem sabor - Juntai

Uma pitada só de Chance
E no primeiro Trago
O Encanto faz o ingrediente
Com certeza Fatal -


Sabia de tudo, Emily Dickinson, e cifrava poeticamente suas sapiências...
... E pedia, como boa amante, de joelhos (mesmo escrevendo: "Se um Amante é um Pedinte/ Indigno é seu joelho"), o fluido amor azul do seu amado:

Meu rio quer te encontrar,
Mar azul! Vais-me aceitar?
Meu rio quer que respondas,
Ó Mar - acalma essas ondas -
Trago-te os regatos
Que achei pelos matos
Vem - Mar - me levar!


Insistente, e otimista, como toda amante, sabia das Supremacias que o Destino guarda, em meio às suas tramas:

O Coração tem muitas Portas -
É só chamar -
Na expectativa de um amável
"Pode entrar" -
Sem me abater uma recusa,
Resta insistir -
Nalgum lugar Supremacia
Deve existir -


Ah, amar para continuar vivendo, escrevendo, revelando e escondendo nas letras Maiúsculas o mais completo significado poético de escrever, de amar, de viver, de passar...

Dentro de minha flor - me escondo -
Para ao murchar em teu Vaso
Tu - sem que saibas - por mim sintas
Quase que uma saudade -


... E, depois de toda a dor, escrever versos que carregam o que há de enigmático e grandioso no amor, e que a Palavra Poética guarda para as almas sensíveis decifrarem.

Eu nunca mais
faço uma carta
tão amável
como esta

Sílabas de veludo
frases de pelúcia
abismos de rubi não explorados
reservados
(ó lábio)
para ti

Faz de conta que foi
um beija-flor
que agora mesmo
me sugou


... E é com tais palavras que Emily Dickinson, vestida de branco, vai saindo daqui de casa... É Noite. Lá fora o seu Amado a espera. De Joelhos, talvez.

(Tradução dos poemas: José Lira. In: Emily Dickinson. Alguns Poemas. São Paulo: Iluminuras, 2006.)

2 comentários:

sandro so disse...

Bonito diálogo seu com a Emily. Sempre que leio ela, a acho uma espécie de mestre oriental, com respostas curtas e sábias a questões sem respostas.

Marcus Gusmão disse...

Nunca me encontrei com Emily Dickinson. Mas esta frase dela me pegou de cheio.
De fato, não vale a pena viver para perder ninharias...