
É "um homem sem abismos". Assim Silviano batizou Florêncio, personagem quase vegetal de "O Amanuense Belmiro" (Cyro dos Anjos). Desde a primeira vez em que li o livro essa expressão bateu fundo. Já conheci muitos homens sem abismos. Muitos. E o pior é que alguns foram quase íntimos. Quase namorados, eu confessaria, vermelha de vergonha. O que são homens sem abismos? No melhor estilo florenciano eu diria que são homens que enchem a pança de cerveja até arredondá-la, sem um piscar sequer de complexidade existencial, de filosofia humana. Homens chão a chão, terra a terra, corpo a corpo, nada dostoievskianos. Algumas mulheres dizem que são os melhores, outras se queixam de que os ditos cujos nunca têm asas e estão sempre rindo. A minha queixa é mais profunda. Um que eu conheci, há muito tempo atrás, tão bonito, ficava só alisando os meus cabelos, os meus longos cabelos. Certa feita, ao alisá-los, disse: "Menina, você tem cabelos... para duas cabeças!"
Isso aconteceu bem na minha fase mais chatíssimamente clariceana, e dei vontades de cuspir na sua cara. Oh, onde encontrar um Hamlet? Era o que meu coração de vinte anos perguntava ao Mundo. O Mundo me respondia de maneira cifrada (tão cifrada que nunca entendi direito). Enquanto isso fui enlouquecendo águas afora, morrendo sempre afogada e cantalorando, a imitar descaradamente Ofélia.
Imagem: "Sem título" por diadainconsupertrafra.
(www.flickr.com)