quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O que existe


Não sabemos quem foi a primeira pessoa a falar de amor, seja nas artes seja num simples bate-papo. Não sei se o que já senti ou escrevi foi, de fato, amor. Aliás, essa palavra é claro enigma, como bem sabia Drummond, como bem sabem todos os seres sensíveis que se debruçam em busca de significações para o mundo. Talvez nosso imaginário esteja apenas tocado por uma notável beleza que nossos antepassados nos deixaram como herança, como muitos deixam talheres de prata e brincos de rubi. Com a diferença de que esses últimos são tangíveis, e aquilo que nosso imaginário herda está, como a lua, em eterna suspensão, numa mobilidade perversa, sem nunca conseguirmos tocar. Por isso o que imaginamos ser amor hoje, amanhã se transforma em indiferença, naquela constatação proustiana tardia de pensarmos ter feito tanto por alguém que nem era o nosso tipo. O que fica é a sensação de que fomos, oh, fomos tão bestas, tão bobocas, tão...
Para depois tudo se repetir, com a percepção nova de eternidade, de algo singular; e a seguir voltarmos à sensação de bestialidade.
Mas uns dão atestado de fé de que vivem o amor, ou de que já o viveram, de verdade. Acredito e desacredito. Dentro de mim há uma fagulha esquisita e infantil, uma crença absurda e absoluta no sim e no não. Os talheres de prata e os brincos de rubi que me deixaram como herança não são tangíveis, e o que busco hoje, sinceramente, é o esconderijo onde possa estar a profundeza do mais terno olhar; pois a ternura, essa sim, existe. E traduz tanta beleza!


Imagem: "Ternura"(www.flickr.com)

4 comentários:

Anônimo disse...

Oh, Aeronauta, tão bom te ler sempre. Quanto a mim, você sabe, acredito no amor. Beijos. M.

Muadiê Maria disse...

Para mim, só o amor salva.

Janaina Amado disse...

Aero, é a segunda vez que venho aqui, hoje. Li seu texto da primeira vez, mas o achei tão pungente, tão triste, que não soube o que dizer. Acho que ainda não sei. Concordo com M. e Maria Muadiê: acredito na existência e poder do amor. E acho que você também acredita. Nada, nem a ternura, são permanentes. O que não lhes tira a força imensa.

Nilson disse...

Oi!!! É bom voltar e dar de cara com textos assim. Concordo com vc, amor tem muito a ver com ternura, beleza. Jóias de valor inestimável. Li foi coisa hoje no Aeronauta. Adorei as histórias do coche da Menina da Ilha, dos amarelinhos. Concordo que blog é algo novo, vital, que já faz parte também da minha vida - será que precisamos mesmo dos livros impressos? E fiquei feliz de estar entre os seus prediletos. O Aeronauta é um dos meus, também. Beijo!