terça-feira, 22 de junho de 2010


Lá me esperava quem primeiro foi: minha família inteira. Cheguei e a comida era líquida: não cabia no prato - então derramava-se sempre pelo chão, num transbordamento perturbador. Sem contar que as roupas melavam-se com a gordura que vinha daquela coisa amarela que talvez lembrasse o feijão que um dia comemos, juntos à mesa, agora de novo todos, na mesma casa. Minha irmã me escondia alguma coisa, eu sentia, havia algo diferente, e ela não queria que eu soubesse. Que lugar era aquele?, certa vez lhe perguntei. Ela desconversou, disse que era o mesmo. Depois sentou-se na porta do sobrado e falou qualquer coisa parecida com viver um grande amor, que agora era sua vez, e que eu esperasse. Na verdade eu andava lado a lado na calçada com meu pai. Eu o amava demais, sentia isso em cada vértebra, e minha coluna doía, em profundidade. Eu queria que ele soubesse, mas era impossível, impossível, como sempre foi. De repente desejei ir embora, minha irmã disse que sim. Perguntei quais lugares me aguardavam. Ela respondeu: em cima e em baixo. Eu me debrucei no parapeito da cozinha, e me verti inteira: meus cabelos me levaram para o mais baixo da terra, o mais baixo, o mais baixo. Lá, a atmosfera pesava no meu sexo, e eu dançava nua sob o chuveiro, instalado numa cama. Meu irmão e a família eram só desespero, arrancando vísceras ao céu. Tinha céu, tinha serra. E na serra uma estrela brilhava, brilhava; para mim. Ergui bem os olhos, tentando misturar-me àquele brilho, e descobri várias letras, formavam uma palavra



Imagem: por Mariana David.
(www.flickr.com)

3 comentários:

LÍVIA NATÁLIA disse...

Um belíssimo delírio! Quase um roteiro de filme. Muito intenso, melodioso e visual.

Gerana Damulakis disse...

Viajei no clima surreal. Imagens incríveis me chegaram. Fantástico, aero.

Anônimo disse...

Andas experimentando outros estilos? Adorei.