
Nos consultórios médicos as atendentes trazem o cabelo sempre amarrado e um ar de quem sabe ver gente morrer: um semblante contumaz, cheio de pó de arroz, e um sorriso plácido. Irritantemente plácido. Andam de lá pra cá, chamando as pessoas, condenadas na sala de espera. Chamam tanto nome, menos o seu. E impressionante, seu médico nunca chega, seu médico sempre demora pra chegar, seu médico nunca é pontual. A sala é geladíssima, o ar condicionado no máximo. As letras nas paredes, sinalizando todas as salas de ultrassonagrafia, são vermelhas. Vermelhas no branco da placa. Há um não sei quê de pasmaceira naquilo tudo, e nem uma revista pra folhear. A televisão ligada tem uma imagem em preto e vermelho com grandes interrupções contínuas de chuvisco. E o médico não chega. Você vai ao balcão. A atendente de cabelo amarrado diz que ele está vindo, pegou um engarrafamento. Você volta pro seu lugar. Depois de horas e horas seu nome ecoa, límpido, gostoso de ouvir. Chegou sua vez! Uma atendente, plácida (devem ser assim as atendentes do céu), lhe leva corredor adentro. Você entra na sala. O médico lhe estende a mão. Manda você pra salinha do lado. Você tem que ficar nua. E lhe vestem uma roupa que precisa ser usada "com a abertura para a frente". Você deita e aguarda, enquanto o médico lá no outro compartimento lhe pergunta coisas. Você está nua, completamente, que coisa bizarra. O ar condionado no máximo. O médico finalmente chega e se senta ao seu lado, perto de um computador. Pergunta onde você nasceu, diz que a violência está em todo canto, no interior e na capital, que ter filhos é uma responsabilidade, que você tem displasia e cistos, mas não se preocupe, não há o que se preocupar; e que fique tranquila, seus ovários estão ótimos, pronto, não vai doer nada, é só relaxar. E lá vem um gel dos infernos, e um bip, bip soando perto do seu ouvido direito. Volta a dizer, compulsivo, que Salvador está violenta demais; aí você se preocupa, pois a noite já chegou e você tem que voltar pra casa, e se um ladrão Deus livre e guarde lhe esperar na esquina? Enquanto isso o médico vai lhe perscrutando, seu corpo agora é apenas anatomia naquela maca que dá nojo. E olhe que desde sua chegada você já sofreu o diabo, amassaram seus peitos naquela barra como se fossem cortá-los, e você deu um grito desesperado. Enfim, acabou, hora de se levantar e limpar a sujeirada do gel. Do lado da maca há rolos e rolos de um papel grosso, e você limpa com pressa, achando que está atrasando a próxima paciente. Você tem mania de pensar nos outros, e nem se limpa direito. E o médico, no outro compartimento, grita para você não se preocupar, pois o gel não mancha. Aí você veste a roupa com pressa, aquela nudez clínica lhe deprime. Então vai com gel mesmo, a roupa encharca, você continua com nojo de tudo. O ar condicionado é forte, e o médico já lhe espera com a mão no ar, lhe dá um sorriso profissional e diz de novo que não há motivos pra preocupação, e que aguarde, agora mesmo sairá o resultado. Você volta para a sala de espera, um monte de mulher sentada, mulher de todas as formas e idades, todas esperando sua vez. A porta de vidro é um fecha e abre, você olha as sandálias indo pra lá e pra cá, afinal o tempo precisa passar e, enquanto espera, você precisa distrair a falta de paciência. Depois de uma hora e meia lhe chamam no balcão, ai que alegria, lhe entregam seus exames, todos eles dentro de um saco plástico enorme, branco, com letras vermelhas, e você sai, feliz, rindo; e se questiona por que sempre sai feliz desses lugares, esquecendo-se imediatamente de todo o tempo e sofrimento que ali passou.
Imagem: Faculdade de Medicina de São Paulo, por pedro kok.
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