domingo, 25 de julho de 2010

noturno


Mais seguro é encontrar à meia-noite
Um fantasma,
Que enfrentar, internamente,
Aquele hóspede mais pálido.


(Emily Dickinson)


Durmo num quarto grande, quase sem fundo. E largo. Não tem janela, nem greta, nem nada. Nele não entra uma luz à noite. Quando vou dormir, sempre às dez, deixo a porta entreaberta, porque o escuro me apavora. O escuro completo o quarto tem pra dar, nas suas larguras desmedidas. E eu não consigo dormir no escuro absoluto. Meu sono para vir precisa de uma luzinha qualquer apontando no quarto, e essa chega pelas frestas da porta entreaberta, de onde também entra o vento, que amaina o pavor que a noite me dá.
Mas naquele dia, entrei no quarto e fechei a porta. O escuro me acolheu e eu não tive medo dele. Porque eu sentia uma dor grossa, uma dor parecida com sangue escapando para a lâmina, uma dor que ninguém ouvia. E quem abriu essa dor tinha mãos largas, uma palma branca, e uma fixidez mórbida de quem não se levanta. Para quê? Geralmente quem te quer matar jamais balança uma pálpebra: é vento forte, é vento que, por vontade própria, faz exatamente o que quer: deitado, executa. Por isso é que entrei no quarto, fechei a porta, e acolhi o escuro, menor, bem menor que tudo. Enfim, pálida, entrei no mundo.


Imagem: "Quarto escuro", Alexandre Greghi - carvão, papel e lápis.
(www.flickr.com)

8 comentários:

Muadiê Maria disse...

belo texto!
Me fez lembrar de um quarto assim, sem janelas.
Nem frestas

Gerana Damulakis disse...

Nossa, a frase final (entrar no mundo) leva o leitor a sentir uma dúvida, pois encontra duas formas de entendimento.Incrível, aero, uma riqueza.

LÍVIA NATÁLIA disse...

Horas de conversa boa fazem brotar de tudo um pouco, até textos luminosos!

Anônimo disse...

Senti uma tristeza!

Bernardo Guimarães disse...

que medo!!...
mais um belo texto, minha querida escritora!

gláucia lemos disse...

Passei aqui rapidinho, porque já quase amanhece e tive que aparoveitar que meu micro hoje "resolveu" abrir, vai consertar esta semana. Qdo eu era menina tb dormia em um quarto sem janela porqu morávamos em uma casa antiga, quartos enormes, corredor largo e compridão pelo qual à noite eu só passava correndo (para desespero de minha mãe) porq era sempre penumbroso. E ainda hoje tenho medo de escuro, como você. Ainda tenho muitos medos.

Banho Veneno disse...

Talvez eu não saiba falar sobre este texto. Afinal, quem quer matar não vacila. Talvez só o silêncio baste diante de palavras que só a dor consegue fazer brotar.

Alexandre Greghi disse...

Oi.
Achei sem querer seu texto, procurando por uma imagem minha.Gostei que tenha usado a imagem para ilustrar o texto. E muito obrigado pelo credito no final.