sábado, 17 de dezembro de 2011

de tudo que não se encontra


Tem momentos em que a literatura não nos acolhe; nem a música; nem o cinema; nem o amigo; nem Deus. Tem um momento em que tudo foge: o vento, o frio, o calor, a fome, a sede, a vontade. Você quer a mão que um dia esteve do seu lado, mas ela não chega. Você quer o escuro, o claro relampeja. Você não quer o Natal, o Natal lhe estampa na cara que esse mundo não é seu, afinal a santa ceia na sua casa nunca existiu. Você tem raiva de ser generosa, você quer estraçalhar sua roupa, você quer ficar nua no espaço, você não quer mais matar ninguém, afinal todos irão morrer. Muito menos você deseja qualquer prato de sopa, nem o abraço do mendigo, nem olhar para o céu, não quer mais crer na humanidade. Você se contorce em dor, seu corpo se decompõe, você é só trecho em branco de um sonho. E você nem desaparece, você continua, e toma pílulas e pílulas para dormir. Você compra seu sono em cápsulas, o que seria de você sem uma farmácia. Você, em calado silêncio arranca os cabelos, grita, uiva, e a noite de sábado, para quê?, não escuta, e nem precisaria. Você se livra do que Pandora não conseguiu, joga a esperança fora, antes de matá-la com perfeição. Você já não mais espera. Apenas olha.


Imagem: Cena do filme "Flores partidas" (2005), direção Jim Jarmusch.

5 comentários:

Lidi disse...

Oh, amiga, estou apenas olhando também. Não sei bem para onde, mas te faço companhia. Respondi ao teu e-mail. Bjs

aeronauta disse...

Acho, Lidi, que o segredo talvez seja só "olhar". Para o nada, para tudo, para nada. E seguir. Bjos

Bípede Falante disse...

Gosto do filme. Bastante. Mas gosto ainda mais das suas palavras sobre esse tudo que não se encontra e do qual não se escapa.
beijoss

Sandra disse...

"Tem um momento em que tudo foge: o vento, o frio, o calor, a fome, a sede, a vontade." Certamente esse momento não expressa a pobreza do ser, mas sim, a perda de uma riqueza que um dia foi nossa. E saber lhe dar com essa perda, certamente nos tornará mais fortes, porém, mais tristes. Você me emociona sempre...o aguçar da minha sensibilidade é também responsabilidade sua. Grande abraço Ângela!

aeronauta disse...

Bípede: revi o filme ontem, continua belíssimo e tocante.
Sandra: também gosto muito de seus comentários. Abraços.