quinta-feira, 3 de junho de 2010
Querida Maria
O que acho mais estranho, doce e triste na vida é a nossa inocência: nada sabermos, nunca. Por exemplo, como imaginaria, em 09 de março de 2010, que aquele seria nosso último encontro? Eu estava vestida para a festa do lançamento dela, querida e linda Maria. Meu vestido era novo, eu lavei os cabelos, passei o melhor perfume e fui ao seu encontro. Rimos muito e marcamos para nos encontrar na semana próxima, aniversário de Renata. Tudo combinado. O tempo sempre nos dá a ilusão de elasticidade, de certeza: oh, somos inocentes, repito, lindas crianças sorrindo em festa de aniversário. Ela disse, com aquela risada maravilhosa, que Mônica e eu estávamos bonitas, que éramos bonitas, quando quem era profundamente bonita ali era ela. Ah, detesto usar o tempo no passado, esse era é uma apunhalada. Ora, querida, te vi ontem bela, com suas meias coloridas, seus óculos bizarros, e sabia que você estava rindo perto da gente. Nunca vi vigília mais leve, apesar do peso de minha alma. Ao mesmo tempo minha alma ali te vendo sabia que morrer não deve ser tão difícil, era o que seu corpo vivo emanava.
Pois bem, lá no lançamento nos despedimos e eu, inocente, sequer imaginava. Sequer imaginava que não nos encontraríamos no aniversário de Renata. E que dois meses depois também não. Ouvi sua forte e doce voz ao telefone faz uns vinte dias, e ela disse que queria me ver, estava com saudades. Ela já sabia, a danada. Eu apenas intuí, e tive medo, tive dor, sumi. Não queria, mas sumi. Quando voltei, Maria já estava arrumando as coisas para ir embora.
Ontem, ao meio-dia, tinha acabado de me vestir, havia marcado para sair com alguns amigos. Usava aquele vestido, ainda novo. Já fechava a porta da sala quando Bernardo me ligou. Eu nem sabia, Maria, que aquele era seu dia de partir, mas inconscientemente me vesti com o mesmo vestido daquela noite, vestido de festa. Essa foi ideia sua, enviada pelo vento da manhã, não foi?
Porém, que dor, querida.
Imagem: Fotografia retirada do blog: www.continhosparacaodormir.blogspot.com:
Maria, eu e Mônica Menezes, 09 de março de 2010.
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10 comentários:
Esse dia foi marcante.
O vestido de Maria.
Pena que, mais uma vez, não aproveitamos esta ocasião para nos conhecermos... Maria ia gostar!
Beijo
Linda homenagem aero. Lindas, todas vocês.
Comovente. Espero que tenha cido pura ficção. Me deu um nó na garganta.
Que tristeza! Não a conheci, mas me sinto próxima pela imensa generosidade que Maria sempre me dedicou. Que tristeza!
O texto é lindo, Aero... Quando soube da morte de Maria Sampaio, mesmo não tendo contato com ela, fiquei bastante sentido... Lia os textos dela no blog, conhecia seu trabalho como fotógrafa - a partir de Cores/Nomes, da capa do Caetano - e li o opúsculo publicado pela PP5 sobre cães... Estou certo de que era uma pessoa admirável e muito doce. Henrique Wagner.
Que texto mais emocionante, Angela, como tudo o que vc. escreve. Este, especialmente comovente, por lembrar minha querida amiga Maria Sampaio, Sampa, Sampinha, Maricota, Macaca... Estou chorando.
Com certeza ideia de Maria. Arte de Maria. Saudade: de Maria.
e que dor a minha, ao lhe dar aquela notícia...
viva maria, vivá!
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