segunda-feira, 16 de agosto de 2010
desaparecer
Meu corpo sabe morrer. Horizontaliza-se e busca os sonos empilhados. Um a um eles vêm, caindo das pernas e se rendendo a mim. Aí eu durmo com gosto e me despeço, temporariamente, do mundo. Um amargor deposita-se em minha língua, pastilha da desolação. Engulo-a e fecho os olhos. Sonhos loucos me esperam por esses mundos aos quais me entrego. O quarto preserva a atmosfera muda, fechada, como se me condecorasse. O telefone desligado faz parte do ritual macabro. É quando quero morrer, me dão licença? Morrer, morrer, devo ter esse gostoso trago. É uma droga, dê-me licença pra eu me drogar? Quero desaparecer. E o sono me leva. Tampada com uma coberta xadrez, preto no branco, e um travesseiro feito de almofada. Lanço-me no abismo, fecho os olhos e espero. Pra mim, nunca foi fácil pegar no sono, nunca foi fácil morrer. Demoram-se anos, às vezes, eu à espera, olhando o telhado. Deve ser assim pra todo condenado, com dia e hora agendados. Mas afinal, a vigília anuncia que o corpo vai ceder: na mente as imagens se juntam desconexas, e eu sinto a felicidade de desaparecer. Já está vindo, o corpo amolece no lençol, o travesseiro aceita, quase com amor, a cabeça pendida...
Enfim, corpo e alma em águas desconhecidas.
Imagem:www.google.com.br
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7 comentários:
Hipnos e Tânatos. Você é demais. Que Morfeu a receba toda noite.
Que delicada forma de desaparecer! Sem pesadelo, sem as vísceras da carne coladas à alma. Sem um grito.
Seu texto é muito bom, mas achei a forma de desaparecer pouco intensa. Não senti o momento do transe, a passagem foi como um sopro.
Abraço.
"Meu corpo sabe morrer". Incrível a sua capacidade de escrever de forma tão admirável.
Sabia que havia algo errado no meu comentário. "Meu corpo sabe morrer", como Gerana bem destacou, conserta minha opinião infeliz.
Abraço, Âbgela, e até dia 24.
me identifico com seu texto.
;)
Bela descrição da morte temporária.
Um texto que absorve!Chama!Desaparecendo e chamando!!
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