domingo, 8 de agosto de 2010

nesse domingo


Acho quase impossível você ler esse texto; na verdade, nem sei se você ainda existe, se continua a trabalhar no banco, e ainda tem aquelas rugas profundas na cara. Acredito que sim para todas as coisas que pontuei, mais ainda que não lerá esse texto. Isso, porém, não me faz desistir de escrevê-lo. A escrita, portanto, legitima a sua ausência definitiva e toma parte dela, ocupa-lhe o lugar. E é melhor assim: não sei se será bom um novo contato. Isso porque eu continuo a mesma menina do final daquela tarde quando, sentados num barzinho à beira do rio, ouvi de você a leitura de meus olhos límpidos, pequenos, transparentes.
Você tinha a minha idade, mas com rugas fundas no rosto. Você era casado. Já tinha mulher e filhos. Você já era velho. Bancário. E encontrou de repente aquela menina ali, perdida naquela cidade, sem saber de nada. E me disse coisas sobre meus olhos serem ternamente límpidos, e o imenso perigo disso.
Hoje, nesse domingo, meus olhos estão turvos, vermelhos, nublados. Já se passaram mais de vinte anos. Porém, a menina continua lhe escutando, à beira do rio, no final da mesma tarde.


Imagem: www.google.com.br

6 comentários:

Gerana Damulakis disse...

Êta beleza de narrativa!!!
Fiquei marejando, viu? Tais nostalgias me enternecem, ainda mais se escritas assim com tanto talento.

M. disse...

Que história linda!

Bípede Falante disse...

*lágrimas*

Denise disse...

Chorar pode...
pq eu estou

afago

Moniz Fiappo disse...

Linda estória de amor e ausência.
Não me canso de elogiar seus textos.

Anônimo disse...

Que coisa linda! Mas confesso que me causou certo ciúme. E nós dois? E aquele sorriso? E o vinho? E aquela música?
Por favor, não me fale mais dele. Aliás, aqui pra nós, ele era (e deve estar bem pior) muito feio. Rsrsrs