
Não consigo entender uma arte que não nasce da carne, da profunda dilaceração da carne, da ferida, da dor da ferida exposta, das moscas sentando em cima. Se a arte não nascer disso, é decoração, é paisagem amorfa, é epifania barata, é bordado. Camus, aqui perto, sopra no meu ouvido: "... a obra de arte deve servir-se, em primeiro lugar, dessas forças obscuras da alma". Não quero cantar roda não, menina, quero mostrar minha ferida exposta. E não é apologia ao sofrimento, é o próprio sofrimento, exposto. Quer ver? Esqueça então um pouco o seu bordado no bastidor e venha cá. Você já teve uma ferida dessa? Oh, não? Então terá, aguarde, é uma questão de tempo. E se tiver, não tente tampá-la com um mero bandeide. Deixe-a exposta ao sol da manhã. Deixe o sol cair na sua ferida, deixe-a doer, não fuja da dor. Para que, menina, vestir uma calça comprida a fim de esconder as perebas de sua perna? Não gosta da palavra "pereba"? Oh, deixe de ser decoradora de exteriores. Pois que a vida talvez seja só um grande salão interno, profundamente interno, amplo, branco, vazio; e nós, aristocratas vivendo nela, acreditamos triunfar com móveis caros.
Imagem: "Vazio". IN: www.google.com.br
8 comentários:
aero, eu também não consigo, mas sei de escritores que levam os textos com tanto controle e planejamento e felicidade que nem sei como conseguem escrever.
PÔXA!
estou de volta...
Grande metáfora a do salão.
Só você mesma. Incrível. Bjs.
Existe uma arte que nasce do amor. É a mais bela arte, Aero. É a vida. É mister, entretanto, deixar esse imenso salão interno e olhar para fora, para além dos muros, para onde está o outro. É da nossa capacidade de amar que vem a cicatrização das nossas feridas. Nunca perca essa sua imensa capacidade de amar. É dela que vem a beleza da sua arte, não da dor.
Oi, Chorik, a exposição da dor, acredito, é um ato de amor. Um abraço.
Não se se concordo ou discordo, mas admirei a postagem, fato.
Muito bom. E concordo com você. Há diferentes camadas das quais se retira o material da arte; uma superficial, inclusive, usada na decoração de EXTERIORES, como você anotou de maneira sagaz. Mas a verdadeira arte, aquela que toca fundo no espírito, vem lá das camadas profundas onde estão a dor e as contradições da vida> E a satisfação que se alcança ao fazê-la, ou mesmo em fruí-la, não é da natureza da alegria fácil, mas vem do regozijo em se atingir um certo tipo de compreensão ou percepção transfiguradora.
Se fôssemos imortais, felizes, perfeitos e coerentes, não faríamos arte; ou, se a fizéssemos, não raro a largaríamos como bordados inacabados com os quais não valeria perder tempo. Nos dedicaríamos apenas a comer ambrosia e a sorver néctar.
Um abraço.
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