sábado, 27 de novembro de 2010

sem fim


Acostumei-me com o que é finito. Por isso é que não consegui ter uma boa vivência com um presente que ganhei de minha irmã, no meu aniversário: um MP-4. Eu me habituei, a vida inteira, a ouvir a música acabar; a levantar e virar o disco; a levantar e mudar o cd; a levantar e desligar a vitrola. Aí, de repente, me deparo com o infinito: o infinito musical. Senti logo que eu iria endoidar se continuasse ouvindo aquilo a viagem inteira. Fiquei encurralada na música que mais amo, diante de uma curva. Ou ela ou eu. Drástica assim mesmo, que tenho os miolos fracos. Sono? Como ter sono ouvindo músicas que nunca nunca acabam? E o tin tin tin tinindo os tímpanos. É preciso dar valor ao presente de uma irmã, não posso, não posso deixar de usufruí-lo; tenho, como ela mesma vive dizendo, que sair do século dezoito, jogar o espartilho e o chapéu fora; e, claro, também o gramofone. Aprisionado dentro de meu ouvido, Roberto Carlos às dúzias, ou melhor, numa dízima. E a diversidade? Como nunca imaginei aos onze anos, deitada naquele sofá de plástico vermelho lá de casa, ao escutar nossa velha radiola. Já duas horas de viagem e a cantoria em pé de guerra. Até que retirei o fone do ouvido, peguei tudo ligeiro e coloquei dentro da bolsa, com uma força que nunca tive. Será que farei algo semelhante ao descobrir-me um dia diante da eternidade?


Imagem: "caminho sem fim". In: www.google.com.br

9 comentários:

Marcantonio disse...

Incrível essa analogia. E tudo a partir de um MP-4...

Veio-me, no entanto, o pensamento melancólico de que talvez a eternidade não seja a possibilidade de uma oferta infinita, mas a saturação em que a demanda anestesiada do desejo torna tudo indistinto e inaudível.

Abraço.

Lidi disse...

Eu, ao contrário, acho que não me acostumo com o que é finito. Bjs, Aero.

Bípede Falante disse...

Lindo texto, aero. Aquilo que a gente não conhece bem ou mesmo nada sempre parece algo maior e mais infinito do que é de verdade :)

Menina da Ilha disse...

É por isso que a vida para você é tão dificil.Pare de se torturar com o finito/infinito e outras coisitas mais. Tire e coloque os fones na hora que tiver vontade. Simplifique sua vida, que o juízo vai sossegar. Ser muito sabidória enfraquece os miolos. Fique mais leve para que a vida possa lhe levar nos braços de vez em quando.Com esse peso que carrega,fica tudo mais dificil.Bjos.

Flamarion Silva disse...

Gostei do que Menina da Ilha disse. É isso.
Beijo.

Bernardo Guimarães disse...

quando li o texto, pensei logo em algumas coisas para comentar; assim que li os com. já postos, pensei: por que diabos a menina da ilha sempre pensa igual a mim? tire e ponha as idéias de finito/infinito no juízo e, quando encherem seu saco, mande tudo à merda e vá tomar umas brahmas...

aeronauta disse...

Menina da Ilha e C&A:
Se há sofrimento, ele fica fora do blogue; aqui é espaço para catarse, sempre. Fiz apenas uma brincadeira com a questão da eternidade e utilizei o MP-4 como ilustração. Não estou morrendo, apenas questiono as diversões tecnológicas: demodê (eta palavra antiga), sou sim. Bjos.

Moniz Fiappo disse...

Gostei do comentário de Menina da Ilha: "tire ou coloque os fones quando quiser". Vou tentar fazer isso com outras situações, tente voce também.

Nilson disse...

Também fico perplexo diante dos chamados 'gadgets'. E eles proliferam ao infinito!!!