quarta-feira, 24 de novembro de 2010

sobre a tal felicidade


Nunca fiz o mal deliberadamente, e como toda herdeira judaico-cristã trago em mim a grande culpa; porém devo confessar que quero minha felicidade. E querer minha felicidade demanda, não tem jeito, a infelicidade de alguém. Porém, não penso nisso, não penso na infelicidade de alguém que, com a minha felicidade, estará completamente infeliz. Verdade que penso sim, e chego a ficar alegrinha em imaginar a tal infelicidade daquela uma. Portanto, sou um ser humano. Mas o que ganho com a felicidade, que sei, não virá? Sei mesmo, de há muito, que essa coisa não existe não, meu filho, não existe, concordo. E não vou nem começar aqui com aquela história besta e clichê dos momentos felizes. Você sabe que nunca consegui ter um momento completamente feliz? Em todo momento alegre meu, uma formiga me morde. Também aquela tal serenidade não acredito, pois que estou sempre, por puro hábito, em total desespero. Ah, sintonizar pensamentos positivos? Ah, ah, ah. Como? Sou uma antena do infalível medo, ou seja, do que chamam, fatalmente, de negativo. Já viu, né? Não há acerto por aqui, não há. Mas, estúpida, continuo querendo a abestalhada felicidade. Durmo e acordo para isso, me alimento e tomo banho para isso, vivo para isso. Mesmo sabendo ser tudo falácia, engano, simulação, arremedo, fantasia vestida de meus antepassados que, mesmo mortos, continuam na ativa. Só pode ser, de verdade, essa vivência repetida, condicionamento de ideias no plano astral e no cotidiano. Ah, a felicidade é esse sonho apenas, essa vontade de dormir, dormir sem sustos. Talvez por isso é que morremos.

12 comentários:

Marcantonio disse...

A crença de que o que nos justifica é a felicidade não o tal do eudemonismo? Palavra curiosa essa, estranha quando seccionada logo ali depois do 'eu'. Nas corridas de cães não há uma máquina que faz disparar à frente dos "caçadores" um simulacro de presa? Pois é, a felicidade deve ser como essa máquina, essa falsa presa. Ali o instinto dispara em perseguição à ilusão, e como não há pensamento, é natural e mecânica a constante repetição do mesmo assalto,um irracional "vale a pena tentar de novo", aliás, nem há esse "vale à pena" é só "novamente! Novamente! Novamente!
Só não sei como explicar em nós, pensantes, essa corrida. Deve ser o mesmo o instinto; manter-se vivo deve requerer essa ilusão ou ignorância.
Também estou, como você, sintonizado ao negativo. No meu caso até por orgulho: não gosto de ser enganado, fico ali atrás da porta esperando o infortúnio para estrangulá-lo. Caramba! Acho, então, que o que faço é uma forma negativa, às avessas, de buscar a tal da felicidade. É demoníaco isso!

Abraço.

Bípede Falante disse...

Eu não quero ser uma bípede má, mas que sinto um gostinho de sol na boca quando vejo algumas outras bípedes realmente más se estatelando por aí, eu sinto :)
Que horror!
Mas não me leva para o paraíso, pai do céu, que eu ficarei muito sem amigos por lá!
beijos.

M. disse...

Muito bonito e sincero seu texto. Bjs

Bernardo Guimarães disse...

e se a felicidade se encerra em sua própria busca? será apenas mais um clichê ou nem assim mesmo se acha feliz? quer saber? vc é feliz porque me proporciona momentos felizes. clichê, mas funciona!

Flamarion Silva disse...

Como diz aquela música: tristeza não tem fim, felicidade sim.
A felicidade a gente inventa, e... ñão sei falar disso não. A vida é uma tragédia, pensar essas coisas de felicidade de repente parece um absurdo. Mas fiquei feliz ao ler seu texto, mais ainda com seu e-mail atencioso.
Beijos, Ângela querida.

Edu O. disse...

essas formigas que nos mordem um pouquinho a cada dia!!!

Carlos Barbosa disse...

Tenho acompanhado o drama de uma mãe com a filha hospitalizada há duas semanas, aguardando cirurgia, com duas balas na coluna, vítima de assalto. E tudo por um aparelho celular. O que parece indicar que a felicidade não passa de uma ideia trazida de outros mundos. E que vivemos sob iminente tragédia neste planetinha minguado. Um texto visceral, esse seu. Parabéns, abraços feirenses, (carlos barbosa)

Anônimo disse...

A felicidade não é deste mundo.

Muadiê Maria disse...

texto bom, amiga, bom bom bom. me tocou profundo.

Lidi disse...

"Ah, a felicidade é esse sonho apenas, essa vontade de dormir, dormir sem sustos. Talvez por isso é que morremos."

Não se precisa dizer mais nada...

Moniz Fiappo disse...

"A felicidade do pobre parece, a grande ilusão de carnaval, a gente trabalha o ano inteiro, por um momento de sonho, pra fazer a fantasia, de rei ou de pirata ou jardineira, e tudo se acabar na quarta-feira, tristeza não tem fim, felicidade sim."

Nilson disse...

Felicidade é brinquedo que não tem! Nisso concordo. Mas, ao contrário do que diz o texto, sigo perseguindo a tal da serenidade, talvez por ser, paradoxalmente, um ansioso pessimista!