
Finalmente o último dia desse ano purgativo. Já vai tarde. Não vou me despedir dele, quero vê-lo pelas costas. Esse negócio de que se chorei ou se sorri o importante é que emoções eu vivi é bestagem. Esse ano foi a pedra de Sísifo com alguns momentos de alívio e bem-aventurança quando eu descansava um pouco o lombo ao apreciar, da montanha, o vale. O pior é que os astrólogos estão dizendo que o ano que chega hoje será energeticamente ruim por conta de um cinco, falam até em fim de mundo. Ora, se for o fim do mundo é melhor. Pois aí acaba logo tanta problematização humana.
Estou agora numa cidade que não é minha nem nunca será. Dentro de uma casa aconchegante, mas que também não é minha. Com uma vida estável, mas que também não é minha; pertence ao destino, aos deuses, ao que chamam de acaso ou não. O sentimento de propriedade não me pertence, talvez por isso eu não seja de fato uma burguesa; não esteja agora contabilizando dinheiro para comprar uma casa e um carro. Tudo que é meu está no ar. Para forçar uma poesia, sou o próprio ar. Ou seja, mesmo parecendo despretensiosa, sou a própria pretensão. O que é o ser humano senão isso, nesse mundinho besta?
Ora, a despretensão seria não dizer nada. Seria o silêncio. Ou não? Silenciar também é uma pretensão; de sabedoria. O suposto sábio é mudo? Ai, ai, não temos escapatória. Se estamos aqui nessa dimensão de terra, é porque não somos lá essas coisas. Se temos como destino o nosso próprio desaparecimento, não somos coisa que preste. Não se avexe, isso aqui é só elucubração de quem não tem o que fazer no último dia do ano. Jogo agora para os pombos invisíveis, numa praça larga, essas palavras que o vento leva.