sábado, 31 de dezembro de 2011

elucubrações bestas


Finalmente o último dia desse ano purgativo. Já vai tarde. Não vou me despedir dele, quero vê-lo pelas costas. Esse negócio de que se chorei ou se sorri o importante é que emoções eu vivi é bestagem. Esse ano foi a pedra de Sísifo com alguns momentos de alívio e bem-aventurança quando eu descansava um pouco o lombo ao apreciar, da montanha, o vale. O pior é que os astrólogos estão dizendo que o ano que chega hoje será energeticamente ruim por conta de um cinco, falam até em fim de mundo. Ora, se for o fim do mundo é melhor. Pois aí acaba logo tanta problematização humana.
Estou agora numa cidade que não é minha nem nunca será. Dentro de uma casa aconchegante, mas que também não é minha. Com uma vida estável, mas que também não é minha; pertence ao destino, aos deuses, ao que chamam de acaso ou não. O sentimento de propriedade não me pertence, talvez por isso eu não seja de fato uma burguesa; não esteja agora contabilizando dinheiro para comprar uma casa e um carro. Tudo que é meu está no ar. Para forçar uma poesia, sou o próprio ar. Ou seja, mesmo parecendo despretensiosa, sou a própria pretensão. O que é o ser humano senão isso, nesse mundinho besta?
Ora, a despretensão seria não dizer nada. Seria o silêncio. Ou não? Silenciar também é uma pretensão; de sabedoria. O suposto sábio é mudo? Ai, ai, não temos escapatória. Se estamos aqui nessa dimensão de terra, é porque não somos lá essas coisas. Se temos como destino o nosso próprio desaparecimento, não somos coisa que preste. Não se avexe, isso aqui é só elucubração de quem não tem o que fazer no último dia do ano. Jogo agora para os pombos invisíveis, numa praça larga, essas palavras que o vento leva.

9 comentários:

Elionai disse...

Hoje, o último dia deste ano, ansiava a uma escrita contundente. Parei, pense; onde encontrá-la, lembrei-me deste espaço, em que a escrita faz tomar forma o pensamento antes amorfo.
Obrigada!

Revejo suas palavras em 2012, aviso: tomo por empréstimo algumas delas, porque falam de mim. Dou-lhe os créditos, sempre.

Afinal, poetas devem ser honrados pela sua palavra.

aeronauta disse...

Obrigada, Elionai. Que conforto saber que o vento leva minhas palavras até você. Grande abraço.

Lidi disse...

Aero, o vento trouxe as tuas palavras para esta pomba que vos escreve e eu as acolhi com tanto prazer. Obrigada. Bjs

aeronauta disse...

Que bom, Lidi, ser lida por você. Abraços.

Blog do Akira disse...

Em 2012 vou estar de boca aberta para o vento.

aeronauta disse...

Que frase linda, Akira! Bjos

Marcantonio disse...

Eu poderia ceder à tentação de dizer que o ano já vai tarde, mais de que adiantaria, se, na verdade, sou eu que passo por ele, e não ele por mim, em função mesmo daquele tempo interno que você mencionou antes?
Achei fascinante o segundo parágrafo desse texto , e poderia bem tomar alguns desses conceitos para descrever a mim mesmo. Tudo que é meu também está no ar, pensamentos, sensações e sentimentos aéreos a espera de algum pulmão que os absorva, que com eles se oxigene; e aí está uma pretensão aérotelegráfica nunca encoberta pela hipocrisia de dizer que não importa dizer.
A frase "o sentimento de propriedade não me pertence" é ótima!

Abraço.

aeronauta disse...

É verdade, Marcantonio, somos nós que passamos pelo tempo e não o contrário; mas as coisas foram feitas de tal maneira por um imaginário coletivo, que os anos viraram entidades de carne e osso, feito gente. Tanto que ontem à noite, vi, na minha ignorância ótica, um 2012 desconhecido entrando na minha vida. Grande abraço.

Bernardo Guimarães disse...

tenho alergia ao reveiom; acho, inclusive, que a passagem de ano é de cada um, em seu aniversário; aí, sim, o ano vira pra gente. acho que é só por isso que a gente ( ao menos a menina da ilha) gosta tanto de aniversário.
bj