Havia um problema com o ano do nascimento dele, mas que era perfeitamente explicado pelas eleições. Os candidatos a prefeito, vereador, etc, queriam o seu voto, então foi obrigado a aumentar mais um ano na sua identificação para o mundo. Um ano mais velho no papel. Assim, ele dizia ter nascido em 1937 e a certidão dizia 1938. Essa história introdutória é parecida com a de muitos nordestinos, "por aí aos montes" como sentenciou Clarice Lispector. O poder quer o seu voto, não importa se o 'elemento' (como "eles" chamam) passa por um processo de ressignificação de sujeito.
Não sei se ele - com o ano de nascimento mudado - passou por tal processo de "ressignificação": palavra refinada e artificial demais para a sua simplicidade de mateiro. Não sei também se no fundo lhe agradava ser mais moço no papel. Ele vai vaidoso, por certo; gostava de uma camisa de casimira, gostava dos cabarés e das mulheres, e da voz nostálgica de Silvinho e de Vicente Celestino. Ele gostava de música, de poesia, dos repentes e dos repentistas. Ele nos levava para as noitadas de repentistas na roça. Ele era bastante sentimental: sempre recitava, com os olhos marejados, "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu. E cantava todinha, em todas as partes, a música "Triste Partida", de Luiz Gonzaga. Cantava "Triste Partida" sempre chorando e dizendo que "era assim mesmo": ele passara por quase tudo aquilo, pois que 'a coisa ficou feia' e ele também um dia partiu para São Paulo.
Esse texto aqui talvez apenas interesse a minha irmã, sua eterna apaixonada; e a mim, que ora o homenageio no seu septuagésimo quinto aniversário. Não consigo imaginá-lo com essa idade, ele que se foi moço e belo, aos cinquenta e seis anos. Lembro que em todos os dezessete de julho nós lhe dávamos um presente, acompanhado de um cartão. Os cartões desapareceram do mundo e os presentes são coisas por demais sólidas, pesadas. Portanto, hoje envio para ele, como presente que ambiciona ser leve, essas palavras, e inscritas no ar, ao vento dessa manhã.
11 comentários:
Como sempre,termino de ler me afogando NAS lagrimas Os anos passam e a saudade continua. Perdi minha alma gêmea muito cedo. Queria saber, assim como você, colocar no papel tudo que ele foi e é,na minha vida. Uma belezura tudo que você escreveu. Bjos. Mã
Que pensas tu? Este texto interessa a todos que compartilharam a vida desta reserva moral de Andaraí.
Widal
Mã: você sabe escrever sim. Bjos.
Widal: sempre bom ter sua presença nessa casa. Obrigada.
Lindo seu texto, Aero, como tantos outros.
Você quando fala dele, especialmente dele, nos corta o coração.Ele que teve de se fazer passar por mais velho e que nos deixou tão cedo e de fato "tão moço e belo". "Triste Partida"!
Ratifico as palavras de Widal: "Este texto interessa a todos que compartilharam a vida desta reserva moral de Andaraí." Eu, privilegiado, muito mais que isso, frequentei sua sala e até já trocamos alguma prosa, a boa prosa do homem simples e enormemente puro e generoso. Tenho isso guardado em mim, como que num álbum de fotografias.
Abraços,
Anônimo I
Anônimo I, seu comentário me fez chorar. Bonito demais poder ter pessoas por perto que compartilharam (e compartilham) preciosidades de nossa vida. Grande abraço.
"(...) homem simples e enormemente puro e generoso": você disse tudo que ele era. Grata, Anônimo I.
Imagino ele puro e engraçado, como você. Lindo texto. Bjs
Sempre que posso passo por aqui para ler seus lindos textos e este me emociona muito! Este nosso querido foi padrinho de Mainha que de tanto amor o ecolheu para me batizar tbm!! Jamais poderei me esquecer do quanto era atencioso e carinhoso com todos lá de casa!! Sim este texto nos interessa muito!! Tudo de bom!! Bjão
Oi, é Solange?
Oi Ângela, sim! Sempre que posso passo por aqui e ontem tive essa linda surpresa que me trouxe boas lembranças. Dê um cheiro em minha madrinha! Bjão
Que bom, Solange, agora posso conhecer seu blogue! Bjos, grata pelas visitas.
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