As Elegias de Duíno são a melhor companhia para esses domingos prolongados. Pego na estante a edição bilíngüe que comprei há poucos dias e me deito, em meio a chuva, para encontrar Rilke. Saio desse mundo e encontro outro. Cheio de anjos e palavras imateriais, sugerindo orações caindo em meu espírito...
TODO ANJO É TERRÍVEL. No entanto, ai de mim, eu vos invoco,
pássaros quase mortais da alma, sabendo quem sois.
... Eis o início da Segunda Elegia. A chuva, uivando com o vento lá fora, ensaia um coro também terrível, que escuto como se de tudo eu já soubesse...
O sentir em nós, ai, é o dissipar-se -
exalamos nosso ser; e de uma a outra ardência
nos desvanecemos. (...)
A transitoriedade do meu rosto se deixa mostrar na vidraça coberta de pingos de chuva. Vejo, nesse reflexo, um rosto que não é mais meu... Depois me lembro dos mais belos rostos que já vi, e que um dia ganharam novas formas...
(...) Inutilmente procuram nos reter.
Evolamos. E aqueles que são belos, oh, quem os
deteria? A aparência transita sem descanso em seu rosto
e se dissipa. Tal o orvalho da manhã
e o calor do alimento, o que é nosso
flutua e desaparece. (...)
Rilke nos diz sobre algo que vemos, mas que de nada sabemos: tudo nos é ocultado. Somos espectros de nós mesmos, passando dia após dia, indo embora sem nada entender.
Se o soubessem, os Amantes diriam
estranhas coisas no ar noturno. No entanto, parece
que tudo nos oculta. Olhai, as árvores 'são'; as casas
que habitamos, resistem. Somente nós passamos,
permuta aérea, em face de tudo. E tudo conspira
para que silenciemos: o pudor, ou
quem sabe que indizível esperança.
Ah, Rilke, nada sabemos, de verdade. Nem sobre o que vemos, ou o que sequer intuímos.
O que vejo e sinto hoje é apenas essa chuva. Essa chuva em mim. Essa chuva silenciosa.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário