segunda-feira, 20 de julho de 2009
Um poema, nessa noite
MUNDO NOVO
José Paulo Paes
Como estás vendo, não valeu a pena tanto esforço:
a urgência na construção da Arca
o rigor na escolha dos sobreviventes
a monotonia da vida a bordo desde os primeiros dias
a carestia aceita com resmungos nos últimos dias
os olhos cansados de buscar um sol continuamente adiado.
E no entanto sabias de antemão que seria assim. Sabias que
a pomba iria trazer não um ramo de oliva mas de
espinheiro.
Sabias e não disseste nada a nós, teus tripulantes, que ora
vês lavrando com as mesmas enxadas de Caim e Abel
a terra mal enxuta do Dilúvio.
Aliás, se nos dissesses, nós não te acreditaríamos.
Imagem: "Os alfarrábios da terra", por George Sampaio.
(www.flickr.com)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
7 comentários:
adorei, muito bom!
Foi um grande amigo José Paulo Paes, resenhei 9 livros dele para o Cultural, foi de uma ajuda ímpar na feitura do meu Sosígenes Costa -O poeta grego da Bahia (escrito praticamente em cima do Pavão Parlenda Paraíso, dele, JPP). Juntos, traduzimos um poema de Kaváfis. Tenho tanta saudade daquela generosidade infinita.
Do mesmo Prosas Seguidas de Odes Mínimas, onde está "Mundo Novo", permita-me participar desta homenagem com alguns versos de "Balancete":
O amor: latejo
de artéria entupida
por onde o sangue se obstina
em fluir.
A morte: esquina
ainda por virar
quando já estava quase esquecido
o gosto de virá-las.
Belas escolhas. De Aero e de Gerana.
Aérea Persona, conheço pouco do Paes, e a esse pouco volto sempre: a introdução do "Tristram Shandy", do Sterne - o que de mais moderno tenho lido nos últimos anos, o romance - também por ele traduzido e anotado. Estou atento a esse livro de poemas que vc nos indicou. Já o procurei em algumas livrarias, e necas. Enquanto isso vou lendo o Zé Paes (já fiquei íntimo) aqui no seu blogue. Porque tenho, igualmente ao genial Sterne, "horror à linha reta". Abr. (carlos)
Lindo, lindo...
Gostei desse poema!! =D
Faço um trabalho sobre Paes e a cada dia sinto-me ainda mais vislumbrada com sua produção e o "jogo" com que o poeta faz com as palvras. Ele, apesar de pouco conhecido e estudado, vem gradativamente ocupando lugar significativo na literutura. "Mundo Novo" é um poema belíssimo, em que Paes consegue mesclar características da tradição à contemporaneidade sem se distanciar da criticidade.
Postar um comentário