segunda-feira, 24 de agosto de 2009

nonsense


Qual é o segredo mesmo? Meu coração bate, espreita o seu, em vigília permanente. De sua casa saem pai, mãe, minha avó, e entram numa caminhonete. Chego de madrugada, a lua cai sobre uma kombi verde, estacionada na porta, indo sozinha, silenciosa e triste. Dentro dela um, de seus onze filhos, dirige para trás. Toco a campainha, vejo que você toma banho, o chuveiro forte ressoa cá fora. Toco a campainha. Duas mulheres, à maneira de porteiro, vigiam a porta. A casa está cheia: muitos parentes você tem, talvez agregados, casa pobre, você lá dentro, tomando banho. Isso é o que elas dizem, mulheres de lábios grossos, perguntando o que quero com você. Com medo do julgamento, digo a coisa mais inocente, mais pueril. E para que me deixem entrar, pergunto por sua mulher. E eu, que pensava que finalmente sua mulher tindo ido embora, vejo - mostrada por elas - sua mulher lá fora, no jardim repleto de cadeiras de igreja, inclusive sentada numa, me vigiando também. O mundo em vigília, e você ainda não apareceu, o banheiro lhe esconde. É feriado, 24 de dezembro. Já tirei muitos alfinetes do chão, depois que lhe vi abraçando a filha da amante que foi de meu pai. Ela lhe abraçou, me atacando de um passado herdado de graça, sem nenhuma dor. Mas você veio ao meu encontro, e me abraçou também. E ela vigiando, de perto, o álbum de retratos que você me mostrava. Depois mãe e pai e minha irmã se deitaram naquele chão, naquele chão, cheio de alfinetes. Era feriado. Eu voltava para casa, e vi que estava no meio da rua apenas com as roupas de baixo, e fiquei morrendo de vergonha de minhas gordurinhas que precisavam se esconder num vestido, enquanto me lembrei que deveria ter pedido à mãe aquele xale que ela levava nos ombros enquanto dormia na sala de alfinetes. Voltei então, voltei à sua casa. O chuveiro forte ressoava na porta. Duas mulheres de lábios grossos vigiavam. Qual o segredo, meu Deus?, qual o segredo? Meu sonho não mostra. Ele quer apenas sua cabeça no meu colo, seus cabelos sob meus dedos, assim que você sair do chuveiro.



Imagem: "about my admiration for alejandro jodorowski II", por sternenrauscher.
(www.flickr.com)

9 comentários:

Janaina Amado disse...

Qual é mesmo esse segredo dos sonhos que nos faz senti-los mais verdadeiros do que qualquer outra coisa da vida?

Bernardo Guimarães disse...

puxa!
faz tremer qualquer divã de analista e o próprio, sair correndo!

Bípede Falante disse...

Nossa,como você escreve bem... você tem tanto tanto tanto talento que chega a doer.

Anônimo disse...

Se após todo domingo besta você mandar um texto como esse!
E sua missão me é clara, pena que não sirva exatamente para você, mas para nós. É uma belíssima missão e você a cumpre com uma baita categoria!

Anônimo disse...

É bom demais poder ler seus contos. Com prazer.

Nilson disse...

Belo! Onírico! Tudo nessa vida é mesmo nonsense!!!

imonizpacheco disse...

Que bom poder lê-la. Me parecem muito reais seus contos, menina.

Edu O. disse...

Aero, teus textos parecem curta-metragem. é bom demais viajar em teus sonhos

Gerana Damulakis disse...

Suspirei. Vc escreve, viu?