quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Pavões sem nenhum mistério
Oh, vaidade, o que escrever sobre ti?
Certa feita estava num grande auditório na Ufpe, ouvindo Ariano Suassuna falar. Nem preciso dizer que me diverti muito. E uma das coisas que ele enfatizou e assumiu com muita graça foi o gosto pelo elogio.(Adoro honestidades.) Contou-nos que conversando com um confrade, e este falando isso e aquilo do seu último livro, esperava com ansiedade o elogio. Que não vinha. Vinha tudo: particularidades do livro, capa, linguagem, coisa e tal, e nada. A conversa se esticando. A ansiedade aumentando. Aí ele não aguentou e pediu: "Rapaz, dê cá logo meu elogio!"
Enfatizei lá em cima, entre parênteses, que adoro honestidades. No plural mesmo. O que me exaspera é o fingimento, a vaidade enfatiotada de disfarce, ou o seu extremo: o mais descarado cabotinismo. No mundo acadêmico e no meio artístico alguns seres dotados desse dom se instalam como pragas, nos levando a pensar em dois caminhos: ou enviar o tal condenado direto ao manicômio, ou, ouvindo-o do auditório, de lá mesmo mandar-lhe uma bala na boca (aqui assumo minha ferocidade sertaneja).
Não, nada de matar, vamos aguentá-los e buscar o humor dilacerante de Gogol. Essas criaturas de quem estou falando são risíveis demais, não merecem morrer. Na hora de falar, postam-se ao microfone com um tom solene, e acreditam em tudo que dizem. Acreditam, a ponto de emitirem um tom monástico, destilando seu eu como se destila Deus em doses homicidas.
Numa mesa de congresso, quando precisam dividir a fala com seus congêneres, é como se estivessem sozinhos: o que os outros disseram não foi escutado. O discurso, pomposo e cheio de tons apocalípticos, se desvia dos demais, buscando o brilho cômico da exibição, na vontade exuberante de serem o melhor. E saem dali sempre acreditando que foram o melhor. No olhar, é nítido o menosprezo por aqueles que compuseram a mesa com eles. Afinal não se dividem brilhos épicos - repletos de condecorações.
Imagem: "Vaidade", por Gustavo Carrijo.
(www.flickr.com)
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12 comentários:
Amiga,
Impagável!!!!!
Tô morrendo de tanto dar risada!
Beijos
Eu pensei em escrever sobre a vaidade, cheguei a postar e retirei... vai que alguém toma a carapuça.
Pensei muito em você, no quanto gosto de seu blog e de sua maneira de ser: exatamente o oposto da vaidade!!! E o quanto você é honesta. Cada vez tenho mais admiração por você.
Às vezes chego a pensar que certas pessoas vão se afogar na própria vaidade.
No entanto, o pior tipo não é o que você descreve, que toma do microfone e apaga as demais pessoas. O pior tipo é aquele que "se acha" tanto e pensa que engana todo mundo. Um dia, asseguro porque já vi acontecer, este todo mundo vai reparar que a encenação é para se promover.
"destilando seu eu como se destila Deus em doses homicidas."
FORMIDÁVEL! além de todo o texto também.
menina, como vc descreveu formidavelmente tais risiveis criatura! quando vejo uma -com certa frequencia, infelizmente- não a levo a sério; acho o melhor a se fazer; caem de maduras ( ou pêcas)
Olá, escritora
Vim deixar meu elogio, sem falácias e honestamente.
Ultimamente tenho cantado muito com Chico Cesar: "Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa...". Deus nos proteja das vaidades, sobretudo da nossa própria.
Sempre te admirando muito, Mulher Alada.
Beijos.
Quando leio coisas assim, valorizo ainda mais a minha doce aposentadoria... A universidade me deu convivências maravilhosas, mas o que tem de ego imenso e fátuo por lá... viximaria!
Aero, seu jeito sertanejo é bala. Adorei ler esse texto, também gosto muito de honest
beijoidades.
Esses tais, parecem que estão sempre desempenhando algum papel, às vezes trágico, às vezes cômico.
Bom texto. Bala.
Belíssimo texto. Não os mate, continue no meio deles e depois volte para rirmos juntas.Que bom que vc não precisa de nada disso. Os pavões passam e você ficará para sempre.
Graaaande! Assino embaixo. Vaidades todos temos, mas as que enchem o auditório merecem os balaços da sua pena sertaneja! Dá-lhe, Aeronauta!!!
O símbolo da academia deveria ser uma cabeçorra com uma imensa língua - bifurcada, é claro - e orelhas atrofiadas.
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