segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Uma saída


Aprendi com o ex-macaco kafkiano que não existe por que sonhar com liberdade, mas apenas com uma saída. É preciso encontrar uma saída. Dentro da jaula, embalada para o circo de variedades, preciso encontrar uma saída, e por aqui mesmo. Batendo com minha cara no caixote. É preciso que eu me curve, minhas costas doem, meu pescoço tem um nó bem naquele lugar perto da coluna, chamado vulgarmente por minha irmã de cupim de boi. Eta nó desgraçado de grande e dolorido. É preciso que eu me desentorte, fique em pé com as mãos na cintura, buscando quem sabe o sonho de ser bailarina; mas o lugar é limitado para minha altura, ficar em pé nem pensar, mesmo eu medindo um metro e cinquenta e dois.
A saída que preciso buscar não pode ser a mesma do macaco kafkiano. Não quero imitá-lo, nem aos homens nem às mulheres que vêm à jaula observar meu sofrimento. Busco outra saída, e passo ao largo das imitações. Não quero outra condição humana, quero continuar sendo eu, mesmo dentro dessa morada apertada, com as costas lavadas de suor, as pernas agachadas, e a corcunda feito um morro. Quero, a todo custo, preservar minha sensualidade dessa limitação de estar em muito menos de um metro quadrado de cubículo. A sorte é que guardei minha cara do espetáculo público: joguei nela uma máscara qualquer, desenhada a bico de pena por um desenhistazinho que chegou um dia para me ver. Condoído daquela minha exposição ao sol e ao vento, ao riso e ao escárnio, desenhou num papel, e depois cortou, o rosto de uma atriz. Não a conheço. É melhor assim. E a primeira das saídas talvez seja mesmo esta: ninguém imaginar o que há por trás desse meu outro rosto.



Imagem: "saída", por eduhhz.
(www.flickr.com)

5 comentários:

Nílson disse...

Acho que esses textos seus configuram um livro e tanto: pense nisso!!!

Anônimo disse...

Eu concordo com o comment acima...

Gostei daqui... estou seguindo-te

Ótima noite
bjs

glaucia lemos disse...

Estou visitando seu blog pela primeira vez, por indicação de Gerana. Voltarei outras vezes, você escreve muito bem, fiquei muito bem impressionada, parabéns.

imonizpacheco disse...

Como voce escreve (descreve) bem as agruras!
Concordo com Nilson. Devemos fazê-la pensar nisso.

Anônimo disse...

Aero, esse seu texto me incomodou demais menina. Vixe. Áté estralei o pescoço. Se acaso encontrar outra saída, me avisa. Não teria problemas em imitá-la.