sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

"A galinha degolada"

Na noite do Réveillon, meu amigo, com uma faca na mão para cortar o peru, disse:
- Aeronauta, você já leu "A galinha degolada", de Horacio Quiroga?
- Não, respondi.
- Ah, vou te emprestar.
Foi lá na estante e me entregou aquele que seria o conto mais terrível que já li na vida.
2008 havia chegado. Agora só nos restava comer aquele peru que estava à mesa já com a faca no corpo. Comi tranqüila e calma, como se diz por aí. Não sabia que aquele peru metaforizaria a dor que eu iria sentir em meados desse mês de janeiro num dia de sábado à tarde, quando resolvi ler o conto.
Estava sozinha numa casa que não era a minha, e em nenhum momento imaginei o que me esperava. (Não gosto de contar enredos de filmes, romances, novelas, muito menos contos. Mas dessa vez você, leitor, vai precisar saber - se ainda não sabe - o que nos causa essa história...)
O conto traz "quatro filhos idiotas do casal Mazzini-Ferraz", que ficavam sempre sentados "o dia todo num banco do pátio", "olhando para o sol com uma alegria bestial, como se fosse comida".
Nas quatro tentativas de ter um filho, o casal "falhara": quatro idiotas nasceram.
Na quinta tentativa "acertaram": veio uma menina "saudável", e que foi muito mimada por isso, enquanto que os quatro idiotas ficavam lá largados e sujos, olhando para o nada, olhando para um muro de tijolos, "demitidos de todo e qualquer carinho"...
Um dia os quatro idiotas resolveram sair do banco e ver a empregada degolar uma galinha para a refeição, "dessangrando-a lentamente" (a patroa lhe disse que só dessa maneira "conservava-se o frescor da carne")... E os meninos olhando...
A menina cresceu: forte e cercada de atenção. Porém, nesse mesmo dia que a ave foi degolada, ela driblou os olhares dos pais e foi tentar subir o muro. E os quatro idiotas olhando, afinal ali era o lugar deles existirem. A menina buscou subir o muro mas os quatro idiotas "lentamente avançaram". A menina gritou pelos pais, mas seu grito não foi escutado. Os idiotas tinham nas mãos, agora, a menina: "um deles apertou seu pescoço, separando os bucles como se fossem penas, e os outros a arrastaram por uma perna até a cozinha, onde naquela manhã tinham dessangrado a galinha, tirando-lhe a vida aos poucos, segundo a segundo."
O conto não termina aí, mas não vou contar o resto. Não vou.
Esse conto me deixou petrificada no sofá daquela casa que não era minha, daquele sábado que não era meu.
Ah, a literatura não nos traz gratificações; nos ensina, isso sim, tudo sobre a nossa mais terrível miséria humana.

Um comentário:

Unknown disse...

Degolaram a irmã! Macabro seu sábado!