domingo, 30 de março de 2008

Carta

É, Kátia, o caminho da literatura é mesmo muito solitário. O seu post "sobre blogues e máscaras" me motivou a vir escrever aqui, coisa que ando sem vontade de fazer nos últimos dias. Na verdade estou vivendo sem assunto, como quem vive sem fome. E como minha aeronave ganha ares cada vez mais pesados da terra, estou com medo de acabar doente: não consigo respirar esse ar terrestre por muito tempo, é pesado demais. Preciso das montanhas, dos vôos, das alturas. Não dá para eu agüentar os meus quarenta e nove quilos de matéria no chão. É muito peso, o ar não consegue me levar para onde quero ir; fico plantada nas calçadas, nas ruas, dentro de casa, no trabalho, buscando nalgum olhar uma força que possa doar leveza à minha alma, a fim de que eu volte a ser aeronauta.
E os olhares que encontro são quase sempre duros. O que alivia são as almas sedentas de meus alunos, que me propiciam - num curto espaço de tempo - sair do chão e alcançar as alturas. O que alivia são alguns amigos - que ainda persistem e me ligam e me escrevem e me lembram de que existo. Mas depois, tudo que vejo e sinto é gelo. A literatura deveria existir para proporcionar o encontro, o afago, a compreensão. Na ingenuidade de minha adolescência acreditava que quem escrevia literatura só poderia ser uma pessoa boa. Acreditei nisso até conhecer, ao vivo, o primeiro escritor. Isso, porém, não é regra: existem escritores literários, profundamente literários, quero dizer, humanos, e já tive a felicidade de conhecê-los.
Mas é a solidão o que nos resta. A solidão. E conviver com ela em tempos de peso é sempre muito mais difícil: as palavras fogem, o vento não chega, a porta não abre, o telefone não toca, o antigo amigo desaparece, e a gente resulta doente...
Espero que você melhore dessa gripe, amiga.

3 comentários:

Kátia Borges disse...

Oi, querida, obrigada. Tentei trabalhar hoje e tive que voltar mais cedo para casa, pois não aguentei o ar condicionado. Muito gelo. Mas o gelo ao redor, como vc diz, é ainda mais prejudicial à saúde. Beijo enorme.

Anônimo disse...

Eita Nauta, deixa d tristeza! Anime-se!

Carlos Rafael Dias disse...

Os escritores não são necessariamente pessoas boas
Mas são muitas vezes hiper-verdadeiras. Doa em quem doer. Incluindo o próprio.
Também me sinto assim.
Solidário.