quarta-feira, 13 de maio de 2009
Minha ternura absoluta
Minha ternura absoluta por São Paulo. Não pela cidade, mas por meus parentes todos que foram pra lá. E voltavam de ano em ano com um gravador enorme nos ombros e um monte de fitas cassetes na mala. Ligavam o aparelho na sala para a parentalha toda ouvir as vozes gravadas dos filhos, noras e netos desconhecidos, perdidos naquele lugar distante. Nunca esquecerei essa cena: meu avô e minha avó chorando ao ouvirem a vozinha cantante de uma neta que nunca viram, dizendo assim: Vó, vô, sou a Wilza, irmã do Williomar, que foi aí no ano passado...
São Paulo para nós era um mito, símbolo de salvação. De lá vinham pelo correio retratos dos parentes todos ajeitados, na graça de Deus. Faziam questão de mandar as fotos tiradas dentro de casa, em meio aos móveis, tudo de boa qualidade: geladeira vermelha, sofás amarelos, radiola preta. Pai tinha o maior orgulho desses parentes; ele que certa vez tentou a vida por lá e voltou cabisbaixo em nome de uma saudade ardilosa, egoísta e romântica. Mas os parentes que foram e prosperaram exerciam nele o fascínio por esse mundo longínquo, mundo onde as pessoas falavam cantando e tinham umas feições civilizadas.
Pai era tão fascinado por São Paulo, cidade que amava numa resignação do impossível, que ao falar ao telefone com um parente, ou um conhecido que lá morava, o tom de sua voz mudava instantaneamente, sem ele perceber: "Oi, Sônia, cadê o Mauro? E a Vera? O tio aqui morre de saudades!"
Minha ternura absoluta por nossas risadas escondidas ao ouvirmos pai falando paulista sem perceber, no puro instinto de uma sedução inefável por essa cidade farta e longínqua.
Imagem: "São Paulo", por Schwingel.
(www.flickr.com)
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22 comentários:
Belo texto! São Paulo exerce um fascínio sobre muitas pessoas. Tenho parentes lá tb, mas são distantes, tinha mais contato na infância e adolescência. Sempre que iam a minha casa contavam "vantagens" sobre a cidade.
Virei aqui mais vezes! Bj
Obrigada pela parte que me toca na tal "saudade ardilosa, egoísta e romântica". Era mesmo muito engraçado quando ouvíamos os telefonemas dele no seu "paulista" quase nato.
Meus primos quando voltavam, coitados, eram massacrados duplamente. A gente caia matando no paiê e mainhê deles, aprendidos lá justamente por conta da gozação das crianças paulistas. Adoro São Paulo.
que lindeza... eu choro com essas histórias que você conta tão vivídamente (vixe! que palvrão!).
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Os que vão se sentem superiores a nós ou nós nos sentimos inferiores a eles? Ou nada disso?
Menina da ilha, minha irmã: quero lhe dar os devidos créditos pela lembrança da paulistagem de pai. Você que se diz desmemoriada, me ajudou na lembrança. Bjos.
Nossa, que idéia linda a das fitas gravadas! Linda de doer.
esta história é tão nossa também, né Maria?
nossa prima Mª Inês chegava e vó Carmena botava logo pra matar de inveja, cantando "Lampião de gás".
Sou doidinho por sumpaulo.
As mais belas cidades moram mesmo é dentro de nós!
Gostei e me identifiquei. Uma parte muito querida de minha família vive em São Paulo, "ajeitados nas graças de Deus". Isso me faz também amar SP. BJ
Imito maria sampaio: choro com essas histórias que você conta. Um modo lindo de contar!
"São Paulo, comoção da minha vida". O poeta estava certo. E quem não se comove? Beijos
Pois grande parte de minha família lá está. E para lá vou sexta próxima. São Paulo foi minha primeira experiência fora da Bahia, quando tinha 10 anos e fui cavar saúde naquele frio. Vi televisão pela prima vez, telecatch, Jovem Guarda e Sílvio Santos vem aí. E muito bangue-bangue, tudo em preto e branco. Não tive retorno à sanidade depois dessa temporada em cortiços. Gosto de São Paulo, monumento da loucura humana. Amo seu cheiro impuro, temo suas infinitas possibilidades. Sofri do mal de saber o que era mentira e verdade, quando meus parentes contavam suas vantagens em visita ao sertão. Sofri? Não, aprendi mais ainda sobre nossas grandeza e miséria. Abr. Aérea Persona. (carlos) PS. Seu livro tá quase pronto e será um estouro, tenho certeza.
"Alguma coisa acontece no meu coração..."
São Paulo e textos da Aeronauta: duas das minhas coisas favoritas dos últimos tempos.
Bjs
Ah! aero, esse texto, com esse título! Quanta beleza ainda cabe nesse seu blog?
Sinto-me honrado de ter conhecido tão preciosos baianos. Os daqui já viraram paulistanos, ouso dizer não haver São Paulo sem os baianos. Conheço muitos, em todas as classes sociais, sempre ligados à terra natal porque não há um que não tenha deixado alguém.
A minha cidade tem realmente muitos encantos, vindos de todo lugar desse mundão de meu Deus.
Tenho com São Paulo uma relação de amor e ódio, tipo "Sampa". Mil histórias como essas de parentes e conhecidos indo e voltando, o sotaque a pontuar essas idas e vindas. Quando terminei a Facom, fui pra talvez ficar - aí meu pai teve derrame e acabei ficando foi em Brumado, por dois anos. Um pouco como seu pai, São Paulo ficou assim meio mítica, depois disso. E seus textos, sensíveis e profundos como sempre, evocando muitas emoções!
São Paulo foi por muito tempo, pra mim, sinônimo de medo. Os vínculos que tinha com "sampa" eram, a exemplo do seu texto, familiares. Hoje posso olhar pra São Paulo com outros signos. Adquiridos depois de inúmeras experiências vividas sofregamente naquelas ruas perturbadas pelo infernal trânsito. Mas as lembranças daqueles outros tempos, que seu texto me fez "cavocar", o fascínio ainda está lá.
Não sei se o comentário que fiz foi enviado corretamente, então comento novamente. Muito bom o seu blog. Gostei mesmo. Os textos estão muito bem escritos.
Adorei o trecho final: "sedução inefável por essa cidade farta e longínqua". Preciso.
"... e voltou cabisbaixo em nome de uma saudade ardilosa, egoísta e romântica". Coisa mais linda isso!
Beijos.
Obrigado pelo comentário lá no blog da Renata. Vou passar por aqui tb.
Obrigada a todos, amigos queridos, por essas mensagens! Bjos.
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