domingo, 3 de maio de 2009

Uma menina


A casa enorme, muitos cômodos, com rosto de abandono. E minha avó dentro dela. Dizia que de lá não sairia nem amarrada. A casa caindo parte por parte. Primeiro o quarto, depois o outro quarto. Depois o outro. Minha avó forte, pegando água no rio, enchendo todos os potes. Proclamava que enquanto restasse um cômodo que fosse, lá seria sua morada. E a casa caindo, a cada dia indo-se, finando-se, bem ali perto da estrada. Ó filhos ingratos, as pessoas falavam. Minha avó firme e decidida, não ouvia parentes nem aderentes, e teimosa ali ficava. Paredes rachadas, vento frio e chuva fina, e minha avó quase ao relento, cozinhando, como uma menina, no grande fogão de lenha...


Imagem: "A casa caindo", por Yuri.
(www.flickr.com)

4 comentários:

Anônimo disse...

Só dizendo "putaquepariu!" que grande texto.
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adoro as paisagens de suas estórias/histórias quase sempre com a água do rio a passar.

Meninadailha disse...

Sempre que vou visitá-la, sinto nos seus olhos e gestos que nunca se acostumou com seu novo lar. Fico com pena dela quando a vejo rodar sem rumo naqueles minúsculos cômodos que foi obrigada a aceitar.Nada ali combina com vovô. É um peixe fora d'água. Acho que todos os dias ela vai pro lado do seu antigo palacete.Até eu sinto saudades daquela casa espaçosa que eu sonhava para mim quando crescesse.

Marcus Gusmão disse...

Como sua vó, resisto também dentro de minha casa, dentro deste meu corpo que começa a desmoronar. Só saio daqui morto.

Edu O. disse...

que coisa linda, que imagem!