domingo, 6 de setembro de 2009

nomes


Seria Verônica. Não, não gostaria de ter sido, de ser Verônica. Esse nome não se parece comigo. Esse rô no meio soa rouco, a proparoxítona parecendo um lamento solene e triste. Se eu tivesse sido Verônica certamente agora estaria com uma toga, administrando audiência, com um olhar vago e melancólico.
De todos os nomes que gostaria de ter, ganhei dois. Gosto demais de um. O conjunto soa harmônico, é a minha cara, inocência e destruição. Aqui sinto falta dele. Aqui esse nome está gritando agora, como as loucas gritavam nos fundos dos casarões mal-assombrados. Ele quer chegar à sala de visitas, mas os donos da casa ainda não deixam; ainda não é a hora. Guardo, portanto, meu nome, como antigamente se guardavam as senhoras loucas.
Talvez por isso os inúmeros apelidos. De meus tios, de meus pais, de meus primos. Sempre fui muitas. Coisa por demais vulgar, certamente. Mas sempre quis ser uma, una com os meus dois nomes, mas nunca quiseram, e só me chamaram de outras. Meu nome, pomposo, apenas nas cadernetas da professora; na hora da chamada todos viravam para conhecer a sua dona. Até que se acostumaram. Mas se forem hoje na minha cidade, e bem alto recitarem meu nome, ninguém saberá dizer quem é.
Quem é?
Pergunta insistente. Oh, você aí, que se encontra comigo algumas vezes, sou eu, lembra-se? Estava com um vestido florido, e eu sabendo que você conhecia em mim o que há de mais secreto. Mas ali, pra você, eu era uma estranha. Ao mesmo tempo em que eu me divertia, lamentava profundamente.
Não, não sei quem é. Me deram esse nome, colei-o na minha mão direita, e ele vai nos atestados, nas declarações, nos envelopes. Ah, está na parede antiga, no certificado de conclusão do curso de datilografia. Tinha quinze anos, e a assinatura vai ingênua, pura, doce, bem feita.
Eu, com um pimpão na cabeça, aos doze anos, no fundo a bandeira nacional, assinando um livro aberto, rindo. Fingia que assinava para o retratista clicar. Ah, o fingimento sempre me perseguiu. Colaborei, fingi, ri, assinei, e depois voltei pra sala. Naquele lugar sentou-se a classe inteira, fingindo assinar o livro. Não sei se todos riram.
Foi pai quem me deu esse nome. Mãe não queria. Ele foi escondido ao cartório, enquanto ela estava de resguardo. Voltou, desconfiado, mas com a certidão de nascimento na mão, garantindo no papel aquele nome, nome duplo que mãe não queria. Um dos nomes, dizia ela, era de uma inimiga sua.



Imagem: "Cida Muffa "Passeio na chuva" técnica mista", por Artexplorer.
(www.flickr.com)

5 comentários:

Anônimo disse...

Eu estava escrevendo o comentário, caiu tudo, se chegou aí aos pedaços... agora vai. Era mais ou menos assim:
Como em uma canção interpretada por Carmen Costa "quase que eu disse, agora, o seu nome, sem querer".
Apois essamenina, adoro meu nome, mas adoraria ter um nome que dito marcasse. Como o seu -se usado composto.
O texto, só para variar... é bom como sempre. Aliás, lindo e ótimo.

Gerana disse...

O conjunto soa harmônico, seu pai estava com a razão. Adoro seus dois nomes.

Moniz Fiappo disse...

Pois. Temos isso em comum. Não gosto do meu nome. Ainda hoje, já bem madura, ele me soa estranho. Estranhíssimo.Meus amigos me chamam por apelidos, todos bem mais sonoros do que o meu nome próprio. Quando alguém me chama pelo nome parece uma reclamação. É forte demais. Gostaria de um nome mais simples, corriqueiro, brasileiro. Doce.

Nílson disse...

Eu tb me estranho com o nome: Nílson, estrangeirado. E o conjunto, Nílson Pedro, um tanto quanto infantil. Nome é destino? Uma amiga simplesmente mudou o dela!

Cida Muffa disse...

Nomes... apelidos, tão necessários. Será? Como os guarda chuvas quando tem garoa, ou nas tempestades. Será que dão conta?
Uns azuis, outros violáceos. Amarelos? Talves... Necessários?
Sim... Se nao nos protegerem da chuva ou do sol, pelos menos enfeitarão a paisagem... Gostou da tela? Fui eu que pintei. Obrigada por usá-la em seu belo texto.