sábado, 12 de setembro de 2009
a sombra e o silêncio
A sensação é que o deserto é amplo; o ar seco; o sol escaldante. Eu estou só. Mas não há silêncio. Acordo com as costas ardendo na areia quente e me deparo com minha sombra sentada ao meu lado. Solidão é estar acompanhado dessa sombra. Eloquente: fala tanto que não me deixa encontrar o grande silêncio. Há muitos anos estou aqui e nunca o ouvi. Tem muito barulho dentro de mim. Vozes provenientes de casarões antigos, de corredores imensos, gemendo, pedindo alento. Ou então, damas de salão clamando por música, mais música, porque a festa não pode nunca acabar. Cortesãs vestidas de vermelho alçando seu amante pela camisa e a grande imagem vista no espelho da frente. Ah, a balbúrdia nesse deserto é aviltante. Meu corpo frágil se deita, se curva e a sombra o imita. É muito difícil conviver com ela, com a memória que lhe habita, que é minha, minha, só minha, e que ela a detém. Como então roubar de vez tua imagem, essa que é a imagem do amor, e guardá-la aqui dentro, só em mim, aqui, aqui dentro, para que eu possa, enfim, ouvir o silêncio do deserto?
Imagem: Dani Burman.
(www.flickr.com)
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10 comentários:
eu gosto muito desses seus contos.
Perfeito. Somos essa balbúrdia interior e temos todos essa sombra que é um duplo. Esse conto é um dos melhores seus que já li: define bem o seu estilo!
"Solidão é estar acompanhado dessa sombra": simplesmente, de mestre.
Lindo demais, amiga. Lindo.
este é um conto digamos...aeronáutico.
"Solidão é estar acompanhado dessa sombra". Concordo com Gerana. Sem comentários...
Ah, essa balbúrdia que envolve, essa solidão que queima. E como voce sabe dizer isso tão bem, menina.
Sabe de uma coisa, aero? Esse seu blogue não carece música porcaria nenhuma. Seus textos tem sonoridade belíssima.
É... Pois é...
Gostei!
Beijos
Oi, aero, tenho andando muito mais ocupada do que gostaria. Mas não pude deixar de vir aqui e lhe dizer como gostei deste seu texto. Beleza pura.
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