sábado, 25 de outubro de 2008

Bernardo e Judith


Judith e Bernardo (torcendo para Maria Sampaio não ficar com ciúmes):

A vida, sei há alguns anos, é do contra. Ela não gosta de ver a gente feliz. Ela não quer, de jeito nenhum, por exemplo, que a gente leia. Faz de um tudo pra nos desviar dos livros e nos levar aos quefazeres sem graça, como atender a telefones gritando.Vou contar tudo. Depois de receber o "Morte Abjeta" na LDM, ler a dedicatória e a carta manuscrita do final e, ainda, postar o sucedido, a vida me tirou o tal livro das mãos. Não deixou mais eu pegar no dito cujo. Esse me olhava para todo lugar que eu ia. E quando eu finalmente recomeçava a leitura, o telefone tocava (não, não é desculpa de gente que não gosta de ler). Passei uma semana fora, então o telefone, que se encontrava mudo, desatinou a gritar. O mundo inteiro me chamando, eu que detesto que demandem de mim (por isso até hoje não tive filhos). Depois que desligava o telefone, e desgraçadamente ia abrir os emails, o que estavam lá? Mil pessoas me chamando, me pedindo coisas, inclusive para responder aos emails.
Agora à tardinha, voltando da rua, gritei: CHEGA! Peguei o "Morte Abjeta" e fui para o quarto, ler deitada, como gosto. Ah, moço, foi só o tempo de ler a primeira, a segunda, a terceira carta e rir, rir, rir, rir. E me deliciar, claro, com a beleza de escrita, com o suspense da história policial, com as descrições arrepiantes e engraçadas do estado dos que morrem e dos que ficam para contar. Percebi até agora que Bernardo é pontual nas respostas, enquanto que Judith enrola que é uma beleza pra responder. Ambos, porém, são extremamente pontuais no humor, na dilacerante observação da morte e, principalmente, da vida. Terrivelmente impagável na descrição do morto, encontrado em estado fétido de decomposição na sala de trabalho, Judith ressalta: "não tenho culpa, são detalhes indispensáveis":

No que havia a boca do indivíduo estava aberto um buraco, e como o nariz já havia sido comido, os óculos escorregaram pra cima do buraco, tortos de um lado.Parece que a criatura havia babado ou vomitado antes de morrer, pois em volta da cabeça e do pescoço, no chão, havia uma mancha circular, seca pelo sol que entrava pela janela sem persianas, das 10 horas ao meio dia. Os sapatos estavam nos pés, o telefone celular pendia frouxo, ainda preso ao cinto. Acho que o sujeito havia feito bastante cocô, pois havia uma massa seca e escura, que víamos pelo buraco aberto pelos vermes no fundilho lá dele. (p.18)

Bernardo, por sua vez, conta-nos mortes antológicas, presenciadas por sua condição de médico, vigilante de almas vivas e mortas: a história de um homem que foi atropelado "e deu um trabalhão para retirar um retrovisor agarrado nas mãos como uma tábua de salvação, e a língua teimosamente presa no limpador de pára-brisa que os socorristas levaram junto por algum motivo (...)"! O mais terrível e engraçado é o teimoso suicida que só conseguiu realizar seu intento após amarrar "uma carretilha de bombas de São João, de um real, em volta da cabeça":

Quem assistiu à cena garante que o infeliz (que não contava com as explosões em série), rodopiava loucamente, pipocando, numa dança grotesca. Um observador mais atento garante que viu os olhos do infeliz rodopiando um para cada lado; a língua balançando no mesmo ritmo frenético da cabeça e os braços balançavam feito os bonecões de Olinda. Imagine, então, o que encontrei no levantamento cadavérico! Saía uma fumacinha dos ouvidos, cheirando a pólvora de fogos Caramuru e o corpo parecia um Judas no day after. (p.23)

Vou parar por aqui, antes que Maria Sampaio fique "roxinha de ciúmes". E para que, conseqüentemente, ela não desista de autografar e dedicar pra mim o "Rosália Roseiral". Eis outro livro que merece resenha já!

Imagem: contracapa do livro em questão. GUIMARÃES, Bernardo e RIBEIRO, Judith. Morte Abjeta. Salvador: M.J. Ribeiro, 2002.
* Fotografia de Bernardo e Judith: Célia Aguiar

7 comentários:

Maria Judith. disse...

O que eu mais temia na vida aconteceu: fiquei sem palavras, caí da cadeira!(eu sempre caio da cadeira..)
Bernardo certamente saberá o que dizer. Ele sempre sabe.
Um beijo enorme para você...

Unknown disse...

Muitcho bem, Professora! Se ganho promessa de resenha... já diminuo o ciumete. Pedirei a um amigo que transita na cidade para fazer uma entrega a Edilson(?) e mando um adesivo para Rosália. Que tal?
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em tempo, crédito daquela foto de Bernardo e Judith na contracapa: Célia Aguiar

Bernardo Guimarães disse...

Depois de uma longa e tenebrosa semana de expectativa, recebemos, eu e Judith, um post sobre nosso livro. Entregá-lo a vc foi como pedir um atestado e pelo que foi escrito,passamos na prova, Judith. Não foi à toa que escolhi vc, Aeroauta para, com todo o mistério do mundo - o que elevou o sabor da entrega- ser como outros poucos, nossa leitora.
E foi além, com sua generosidade e cuidado.
"Quem beija meu filho, minha boca adoça".
PS.: a foto da capa, também pode ser uma nuvem.

aeronauta disse...

Judith: levante da cadeira e vá atualizar seu blogue: com certeza você tem muiiiiittttto o que contar!
Maria: É com Edilson mesmo. Vou combinar com ele. Obrigada por ter me lembrado de creditar a foto. Sou muito esquecida: não é leviandade não.

aeronauta disse...

Bernardo: O livro precisa de mais e mais leitores... para que possam saber o gosto do humor refinado. Abraços.

Anônimo disse...

Pois é, pela mostra, "Morte Abjeta" parece ser leitura essencial. Onde se pode encontrar o livro pra aquisição? Parabéns aos autores e a vc Aérea Persona pelo post. Abr. (carlos)

- Luli Facciolla - disse...

Tenho ou não tenho razões pra ser fã?! Dos 3!

Beijos!