segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

borgeana


Há três dias acordo com a nítida impressão de que estou lá em casa. Certa de ouvir o tilintar das xícaras na cozinha, e já sentindo o familiar cheiro de café, abro os olhos com uma preguiça danada. Mas ao abrir, vejo uma outra cena. Nela, mãe viajou para "a casa de mamãe", ou seja, foi visitar minha avó. Minha irmã pegou o ônibus para Itaberaba, depois de muito praguejar sobre a má sorte de trabalhar no hospital, ganhar aquele miserê e passar as férias praticamente no quintal de casa. Pai... ah, pai... essa é a mais triste notícia: foi para São Paulo, e já faz muito tempo... O pior é seu silêncio: nunca mais mandou notícias, não sabemos seu paradeiro, como está, com quem está.
Enfim, me vejo completamente só.
O que fazer? Continuar procurando rastros de minha pretensa mãe biológica?
Fuçar todos os papéis escritos por mãe e pai?
Ficar, à noite, com a luz acesa do quarto, lendo até raiar o dia, aproveitando assim a ausência de minha irmã?
"Não, não, não!" A realidade, amarga, me acorda.
E me mostra a equivocada data na folhinha: 2009.


Imagem: "L'entrée du labyrinthe", por Galaad. In: www.flickr.com