
Tenho um amigo chamado Ulisses. É, o Ulisses de Homero, o herói grego que ouviu o canto das sereias sem precisar perder a vida. Por isso, por ter 'ouvidos para ouvir', e ter escutado o que há de mais belo e inimaginável, ele conhece bem os mistérios desse canto. A generosidade e o lirismo de sua alma provêm de tal conhecimento - algo que foi concedido somente a ele, a mais ninguém.
Vim de sua casa agora (http://naugrafias.blogspot.com): lá ele conta sua odisséia, valente e tenaz guerreiro, menino com "punhos de aço"! Fiquei tão enternecida com sua 'valentia' infantil, seu texto terno, lírico, docemente humano...
Oh, Ulisses, sua história me fez lembrar da minha. A coisa que eu mais tinha medo na vida era de apanhar! Aí me recordo de um conselho que pai dava a mim e a minha irmã. Ele dizia: "Meninas, se alguém na escola quiser brigar com vocês, CORRAMMMM!" Esse "corram", tão imperativo, pra mim não significava covardia: era, na verdade, a senha pra que eu pudesse, sempre, me livrar de todo perigo que há na vida. Correr! Pernas pra que te quero!
Mas pra mãe e pra minha irmã essa senha era vergonhosa. Mãe replicava: "Nada disso. Se quiserem brigar com vocês, enfrentem. Se chegarem apanhadas da rua apanham em casa!" Pra minha irmã essas palavras significavam a redenção, propensa como sempre foi a uma boa e grande briga, forte que era. Ela dizia para pai: "Eu correr? Pra me chamarem de galinha choca?"
Oh, Ulisses, eu era uma galinha choca, pois assumia corajosamente minha "saída pela porta dos fundos": "Eu apanhar? Vou é correr", pensava assim quando via um colega com cara de bicho querendo me pegar na saída. E corria, corria; com pernas trôpegas e desajeitadas corria. Corria para, ainda, não morrer na panela, tal qual a famosa galinha clariceana. Corro até hoje.
Imagem: O barco de Ulisses. In: www.google.com.br