terça-feira, 15 de maio de 2012

conversa de professora universitária (II)


Uma grande e vertical solidão é a do professor falando quase que sozinho dentro de uma sala de aula repleta e completamente ausente, sem compartilhar seus abismos e suas perguntas ao mundo. Do lado de lá dessa ponte intransponível, surgem um e outro aluno com o olhar perdido, nadando com você nesse mar fundo. Um ou dois ou três. Se não fossem eles você talvez desistisse e decidisse pelo afogamento. Mas há dentro de nós, professores, sempre uma vontade de não se afogar, e de tentar ensinar como não fazer isso; ou até ensinar a fazer isso, de maneira mais ou menos literária e libertadora.
Sempre pensei no grande professor como aquele que não precisa exercer a malfadada autoridade. Porém, na maioria das vezes os alunos não sabem lidar com a liberdade, preferindo e exigindo, inconsciente e conscientemente, que o professor seja autoritário. Isso se dá por que para a maioria das pessoas é mais fácil mandar e obedecer de que tentar estabelecer uma relação de confiança com o outro; de confiança e de afeto; e de compreensão.
Mas se não houver um arrebatamento pelo conhecimento, a aula jamais acontecerá.
Hoje há arrebatamento para muitas coisas: internet, facebook, pagode, etc, mas há pouquíssimo para a curiosidade em saber sobre as coisas da vida; e nessas coisas - curiosas - da vida, encontram-se querer conhecer, querer entender - ou apenas contemplar - todos os mistérios.
Talvez a esperança esteja na desconstrução do ambiente escolar.
Tal ambiente tem quase a mesma representação de uma penitenciária, em que todas as liberdades são cerceadas. E se um dos carcereiros dá ao preso a possibilidade de sair, esse não aceita; e provavelmente denunciará tal desobediente carcereiro.
Parece que é mais fácil estar preso.
Para o condicionamento, qual o remédio?
Como professora, ando me fazendo muitas perguntas ultimamente, em meio à grande solidão que eu não imaginava poder existir numa sala de aula.
Como conseguir chegar ao outro sem armas nas mãos?
Como conseguir chegar ao aluno sem a ameaça da prova e a contingência da nota?
Como libertá-lo do condicionamento de sua prisão sem tormentos, sem anseios visíveis de alma, sem inquietações humanas?
Como ensinar-lhe a confiar no meu afeto, aceitando meus presumíveis erros?
Não sei nenhuma resposta para essas perguntas; não sei.
Nesse momento, para me fortalecer, apenas posso entoar o mantra mais profundo da solidão de que tenho notícia, aquela famosa descoberta do personagem de Ibsen já no finalzinho de Um inimigo do povo:
"O homem mais poderoso que há nesse mundo é o que está mais só".



5 comentários:

Bípede Falante disse...

Poucos foram os professores em quem confiei.
Vejo meu filho desconfiado dos dele.
Não sei o que nos acontece.
A confiança parece ter se tornado um território de ninguém.
Precioso texto. Mostrarei ao meu pequeno bípede para que ele entenda que existem professores que estão com ele na mesma trincheira.
Beijoss :)

Anônimo disse...

(...)"Como conseguir chegar ao aluno sem a ameaça da prova e a contingência da nota?"...
Infelizmente, amiga, não tem como conseguir chegar ao aluno sem o manuseio ameaçador dessas armas.
Eu tive a oportunidade de cursar pedagogia. Dei-lhe o apelido de "pedagonia", neologismo oportuno para descrever a sensação de agonia e indignação que senti durante os anos que duraram o curso e o estágio. Confesso que não desisti por mera opinião.
(...)"Uma grande e vertical solidão é a do professor falando quase que sozinho dentro de uma sala de aula repleta e completamente ausente, sem compartilhar seus abismos e suas perguntas ao mundo"...

Abraços, minha professora da rua, da ilha, da vida!

Anônimo I

aeronauta disse...

Bípede: essa é a profissão em que a solidão mais se verticaliza. Até por que muitos professores não querem o encontro, mas tão somente o exercício do poder. Seu filho sofre isso, pelo que pude entender na sua confissão.
Anônimo I: "pedagonia" é ótimo: seu humor e amizade sempre curam de alguma maneira meus desesperos diante da insipidez e estupidez do mundo. Abraços.

Naiana P. de Freitas disse...

Aeronauta,

Compartilho com suas opiniões.
E todos os questionamentos que mesmo sendo aluna ainda não compreendo.
Minha geração está longe de mim ou eu estou na geração errada. Deve ser por isso que desejo ser professora.

abraço apertado!

Sandra disse...

"Para o condicionamento, qual o remédio?"
- A paixão pelo incondicional!!!
- Ganhei 10 professora?!
Assim eu a chamo Ângela, com um imenso prazer, em dividir contigo essa paixão pelo labor de verdadeiramente se envolver em sua prática educativa. Você ensina aqui a quem te lê e de forma confiante se emociona contigo, se enxerga em você e visceralmente a sente. Grande abraço querida!