segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Voltando

Oh, queridos, tive que desaparecer por alguns dias. Meu corpo pesava demais e minha alma estava empanturrada. Eu trazia a cara de mil anos e o corpo de mil e um. Por isso fiz um intervalo entre duas nuvens: nesse intervalo caí várias vezes... Que nuvem suportaria tamanho peso? Fiz jejum, dormi, li, fui para o outro mundo, só pra ver se voltava a ser o que era: peso 48, vacilando em 49. Desbastei gorduras e gorduras de tédio e melancolia, vontade de matar e vontade de morrer. Lembrei-me das galinhas que mãe matava no quintal de lá de casa: na maior frieza, na maior naturalidade, como se tivesse matando uma muriçoca. Foi isso que fiz comigo, só para ver se recuperava uma leveza mediana, que fosse possível voltar ao blogue. E aqui estou, querendo prosa, numa segunda-feira de setembro, mês com nome bonito, com nome florido, e com uma data mais bonita ainda: quinze. Olho para o mural aqui em cima do computador e vejo Cecília. Peço-lhe ajuda. Seu olhar entra fundo na minha alma e me faz lembrar das coisas mais imprestáveis do mundo. E que eu guardo. Não, ela não manda jogar fora, como todo ser holístico faz. Ela diz para eu ir visitá-las: lembra-me que estou lá, no meio dos diários bestas, dos cadernos imbecis, dos poemas de rima paupérrima. Eu estou lá. Ela reitera para eu ir visitar-me. Ainda sussurra: Leia, leia a epígrafe que está naquele caderno de músicas! Olho para o caderno: capa forrada de papel de presente. Abro e leio na primeira página: "Músicas, canções": "Não há coisa mais linda de que o eco de uma canção". Ano: 1981. Ah, deixe-me rir, Cecília!! Ela não agüenta e ri também.

12 comentários:

Petrus disse...

Voltar para si mesmo é sempre difícil. Há um peso que não se tira facilmente! Erros, desejos do que se quer ser, promessas de mudanças, mas há sempre a esperança de um novo olhar, uma nova paisagem, um novo amor, uma nova segunda-feira. rsrs

Anônimo disse...

Como são edificantes e temidos esses momentos. Lembra? Encenando para deus não foi lido nem comentado. Por que o medo da dor? Não existe nada grande sem ela. O Everest e seus mortos. Na planície mercamos alma e morfina.

Bicho do mato

Unknown disse...

ó Aero... prefiro comentar apenas do peso (em quilos!). Quantos e quantos anos pesei 48.Depois 52... e lá foi! No meu aniversário de 60 chegante aos 90! Quase já não conseguia respirar. Estou feliz agora nos 80. Ir à Santo Amaro, nem olhar a maniçoba e comer salada numa boa é bom.
Beijos e bom retorno.
Maria

Marcus Gusmão disse...

Terminei de ler o seu texto e em vez de pensar nas suas reflexões fiquei pensando na pobre da galinha, presa pelo pescoço, o dedo polegar apoiado na faca num puxa-puxa com rapidez e energia até abrir a clareira. Três ou quatro pancadas com a lâmina deitada e depois o deslizar silencioso do fio sobre o pescoço azul aberto e o sangue espirrado na bacia. O bicho tenta estrebuchar mas asas e pés estão bem presos ao chão pelo pé da carrasca. Ainda sinto o cheiro de pena molhada na água fervendo, prévia da etapa seguinte, a depena. Eu me vejo na sua infância, Aeronauta.

Muadiê Maria disse...

Querida, eu desapareço sempre. É muito importante pra mim, sumir.

já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma

Leminski

Anônimo disse...

Ei, Aérea Persona, quando pousar novamente retorna minha ligação, ok? Abr (carlos)

Bernardo Guimarães disse...

Desempanturrar a alma, desopilar o fígado, livrar a vesícula da incômoda bile.Há os que usam colagogos, há os que usam coleréticos. Eu fumo um charuto na varanda.Importante é que vc está de volta.

Janaina Amado disse...

Muito bom ler esses comentários, cada um sentindo de um jeito, entrando por uma das muitas portas do seu post... A minha porta - tá mais pra janelinha -, foi ficar pensando: quem estaria lá nas milhares de coisinhas bobas que a gente escreveu um dia? Seríamos nós mesmos? Nós ontem? Nossa memória do ontem? Sei não, mas gostei do texto.

Anônimo disse...

Ensina-me, Mulher Alada, a ser mais leve também hoje.

Nilson disse...

Lembrei de uma cena insólita lá em casa: minha mãe, que nunca foi essa tranquila executora de galinhas, um dia cortou mal cortado o pescoço e o bicho, um frango dos grandes, saiu rodando pelo quintal e esguichando sangue, para desespero e assombro de todo mundo. Dava pra botar num filme, nem que fosse de Zé do Caixão.

Flor do Mel disse...

Esse texto me lembrou da minha própria história... não passei alguns dias sumida... passei um ano! Quase uma vida, loge de tudo o que me fazia feliz! A vida é assim... Se não morremos com tudo isso, acabamos sendo fortalecidos!

aeronauta disse...

RESPOSTAS:

Petrus: Filosofando, hein?
Bicho do Mato: Gosto de sua percepção para a dor.
Maria: Na adolescência cheguei a pesar 58! Graças a Deus, há um tempão estou no 48/49.
Marcus: Fantástica tal descrição! É um novo post.
Marta: Sempre suave a sua visita. Poema lindo de Leminski.
Carlos: Acho que já retornei a ligação.
Bernardo: Obrigada pela visão da varando e do charuto.
Janaína: Que bom você esta aqui, visitando a Aeronauta!
M.: Oh, amiga, quem disse que sou alada? Só você pra achar isso.
Nilson: História fantástica está aí! Conte no Blag!
Flor do Mel: Obrigada pela visita.