segunda-feira, 3 de novembro de 2008
O pierrô suburbano
Adoro ler entrevistas concedidas por Nelson Rodrigues. Há algo nele extremamente visceral, romântico, terrível. Suas respostas não são nunca cor-de-rosa, são sempre trágicas. E eu me identifico bastante com a tragédia, com o moço ou a moça que estão lá em cima do décimo andar pula não pula; com a mulher que "ateou fogo às vestes" (acho ótimo esse clichê antigo); com aquel'outro, Torquato Neto, que fechou a porta do banheiro, abriu o gás, deixando o famoso bilhete: "Pra mim, chega!"
Se sou romântica? Miseravelmente romântica. Mas voltemos a Nelson. Diante daquela célebre pergunta que se faz a escritores "O que significa escrever para você"?, nosso querido dramaturgo responde: "Se eu não escrevesse, seria um desgraçado". E complementa: "A rigor, se você examinar bem, todos os meus personagens são tristes. Salvo algum esquecimento, não vejo ninguém alegre." Não há alegria na literatura, tenho a ousadia de afirmar: o que há é a alegria na descoberta de quão funda e produtiva pode ser a tristeza. Por isso é que se escreve - para não se tornar um completo desgraçado.
À pergunta final "Quem é o Nelson Rodrigues?" a resposta que me deixou pensativa durante todo o dia (e logo ontem, dia de todas as solidões reunidas na sala, sem nenhum amigo chamando à porta; sem nenhum amor querendo voltar):
O sujeito mais romântico que alguém já viu. Desde garotinho sonho com o amor eterno. Na minha infância profunda, os casais não se separavam. Havia brigas, agressões de parte a parte, insultos pesadíssimos, mas o casal não se separava. A separação era uma tragédia. Em último caso, a mulher apelava para o adultério. Sou romântico como um pierrô suburbano. (...)
(In: RODRIGUES, Nelson. Entrevista concedida a VAN STEEN, Edla. Viver e escrever. Vol.3./ 2. ed. Porto Alegre:L&PM, 2008.)
*Imagem: site www.iccacultural.com.br
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3 comentários:
MARAVILHOSO!
Bjs, Nauta!
coisa boa!!!!
Também gosto muito do Nelson Rodrigues, Aero. Gostava desde pequena das frases dele que escandalizavam, que ele compunha pra escandalizar mesmo, e da desgraceira toda que marca sua obra. Foi dos nossos maiores, com uma psicologia e um estilo como vi poucos. Suburbaníssimo, o artista dos subúrbios.
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