terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Confissão


Ontem eu estava lendo uma pequena autobiografia de Borges*, quando dei de cara com esse trecho singular:

"As pessoas têm sido inexplicavelmente boas comigo. Não tenho inimigos e, se certas pessoas se disfarçaram como tais, elas têm sido demasiado gentis para me causar dor. Todas as vezes que leio algo que escreveram contra mim, não só compartilho o sentimento, como penso que eu mesmo poderia fazer muito melhor o trabalho. Talvez eu devesse aconselhar os aspirantes a inimigos que me enviem suas queixas de antemão, com a certeza absoluta de que receberão toda a minha ajuda e apoio. Secretamente, até desejei escrever, sob pseudônimo, uma longa invectiva contra mim mesmo. Ah! As cruas verdades que guardo em meu interior!" (pp.156-157)

Quem fala é um homem, na época, já famoso, e com setenta e poucos anos, caminhando em direção à completa serenidade da vida; como ele mesmo arremata: "Em minha idade, deve-se ter consciência dos próprios limites, pois esse conhecimento talvez possa levar à felicidade." (p.157)

Tudo isso assinalo hoje, dia 06 de janeiro, para dizer que estou muito longe de alcançar tal magnitude. Tenho a grande idiotia de querer ser amada por todos. Tenho mania de perseguição e sinto falta de inimigos declarados; é, inimigos que se revelam, com a cara fechada, chamando para uma briguinha lá fora, mostrando o muque, como só as crianças sabem fazer. Porque o mais terrível mesmo é o ressentimento, o silêncio, a palavra anônima, o abandono, a dor de uma ausência ferida.


*BORGES, Jorge Luis. Jorge Luis Borges: Um ensaio autobiográfico. São Paulo: Globo, 2000.
Imagem: "Borges", por cláudio aguirre. In: www.flickr.com

7 comentários:

Anônimo disse...

Nossa Aero, vim aqui por conta dos olhos verdes da Maysa e dei de cara com esses carrascos, meio klux klux klan meio não-sei-o-quê! Perdi até o pensamento.
Já tive essa vontade de querer ser amado por todos. Hoje luto para que alguns me amem mais que outros. E me conformo por saber que para muitos não cheiro nem fedo, até porque não posso cobrar algo de alguém se eu mesmo não nutro admiração por todos. O problema aí é a tal da reciprocidade. Amar quem não nos ama, ao menos na mesma intensidade, faz a gente sofrer. Até que um dia a gente se basta. E aí ganha a consciência dos próprios limites, como bem disse Borges. Mas, veja bem, setenta e poucos anos. Talvez ele tenha descoberto isso um dia antes de escrever isso. Bj

Anônimo disse...

P.S. Não li muito Borges. Toda vez que vou à livraria namoro, mas sempre levo outros. Indica quais livros dele?

Muadiê Maria disse...

Aero, aberto para balanço e a conversa com Chorik, Nilson, Maria, Marcus, me inspiraram...
Dê uma olhadinha no muadiê.
beijos

Anônimo disse...

Tb prefiro os inimigos declarados aos amigos falsos.

aeronauta disse...

Chorik, você tem razão com relação à imagem; por isso mudei pra essa de Borges. Até eu já estava com medo da outra.
Da próxima vez que for à livraria compre "Ficções" e "O livro de areia". Inicie com esses dois.
Abraços.

Anônimo disse...

Anotados aero, obrigado!

sandro so disse...

É... parece que Borges foi desses raros que fez grande literatura e alcançou a sabedoria. Às vezes acho que é um ou outro.
Beijo aeronáutico.