domingo, 11 de janeiro de 2009

retorno


"O Aeronauta" (Cecília Meireles)* começa assim seu canto "Quatro":

Agora chego e estremeço.
E olho e pergunto.
E estranho o aroma da terra,
as cores fortes do mundo
e a face humana.


É a volta do aeronauta às coisas terrenas. Nada ali lhe pertence mais. Seu corpo precisa de peso para que o chão o acolha, seus dentes precisam sorrir para os incautos desconhecidos: antigos amigos, parentes adormecidos e peças de roupa que um dia foram suas. Tudo deixou de ser o que era. Agora tudo se reveste em árida terra sem poética que a salve, janelas desmanchando mistérios.
Para ter certeza disso, o aeronauta ceciliano resolve voltar à sua antiga casa:

As portas dos meus armários,
que guardam dentro? Esqueci-me.
De que me servem?
Por mais que tudo examine,
vejo bem que já não tenho
laços e heranças.


Ah aeronauta ceciliano... Se te contasse em segredo que também vejo isso de mim... Nada mais prende minha alma, que agora ronda no espaço - sem armários e sem heranças. Estou solta, solta, solta no ar; e lá nas nuvens, repetindo teus versos, digo ao primeiro ente que me acolhe:

Perdoai-me chegar tão leve,
eu, passageiro
dos céus, de límpido vento.



*MEIRELES, Cecília. O aeronauta. In:_______. Poesias completas de Cecília Meireles. Doze noturnos da Holanda e outros poemas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
Imagem: "Nascer do sol nos ares", por Diva. In: www.flickr.com

6 comentários:

Anônimo disse...

Tanto tempo longe, Aero... e voltar ainda sem pousar? Tão solta no ar "Nada mais prende minha alma, que agora ronda no espaço - sem armários e sem heranças." Achegue-se.

Anônimo disse...

Oi, Aérea Persona, não conheço o poema - repare no tamanho da minha ignorância - mas pelos trechos que vc destacou é poesia que nos arranca verdadeiramente do chão. Aliás, seus textos aqui no blog também nos faz áereas personas, sem seus quilates brilhantes, é claro (pelo menos, no meu caso, óbvio). Abraços e minha amizade, (carlos)

Bernardo Guimarães disse...

nos seus voos cegos, andares em nuvens, flutuando sobre todos, acaso não tem me visto? ando aéreo...

aeronauta disse...

Maria: estou buscando matéria em mim para qualquer dia desses descer.
Carlos: obrigada pela amizade, sempre pontual.
Bernardo: seria bom se te encontrasse numa nuvem dessas. Aqui em cima tudo é tão só.

Muadiê Maria disse...

Aero, Aero...uma coisa que me ajuda a aterrissar é mexer com terra, cuidar das plantas. Tem um livro que me fez pensar muito sobre a vida real,e a minha relação com ela, Uma boa vizinha, de Doris Lessing.
Eu gosto de ir para o Guaibim porque naturalmente ficava ligada ao mundo real: fazer as camas, varrer, lavar os pratos. Varrer também me liga.
Não conhecia essa poesia! Cecília é demais de lírica.
beijos
Beijos

Nilson disse...

E nós, que ficamos aqui da terra, assuntando esses seus vôos de aeronauta, textos que flutuam de tão leves. Nós, criaturas presas à terra!