quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O divã, mais uma vez

Tinha sete pra oito anos e uma primeira amiga: Sílvia. A gente ia junto para a escola. Morávamos na mesma rua. A escola era um pouco longe e, quando chegavámos na sede dos escoteiros, metade do caminho, eu lhe dizia: Vamos voltar? O sol está muito quente! Logo ela que não gostava de estudos e afins, me incentivava pra seguirmos adiante. Vivíamos sempre juntas, a despeito de todo sofrimento que ela me causava. Como por exemplo, me obrigava a pegar merenda pra ela depois que se empanzinava, me dava cascudos, e me deixava de lado quando conhecia outra amiga. Essa é a parte que mais dói na lembrança. Ela havia conhecido uma menininha riquinha e metida a besta, de nome Livinha. Até o nome era nojentinho. Quando essa dita cuja chegava, ela simplesmente me deixava de lado. Fingia nunca ter me conhecido. Entrava lá pra sua casa, fechava a porta e me deixava olhando a rua. Ia brincar com os brinquedos ricos da outra. Eu, com a cara na rua, como disse, voltava pra minha porta. Ficava lá sentada. Quando a outra ia embora, a sem-vergonha fazia um aceno pra mim com as mãos abrindo e fechando. O pior de tudo é que a sem-vergonha que era eu, retornava. Voltávamos a brincar como se nada tivesse acontecido. Se Livinha voltasse, a cena se repetiria: ela entrava com a menina, fechava a porta na minha cara, e depois que a outra ia embora me chamava com as mãos abrindo e fechando. Ô sujeita ruim! Sinto raiva quando me lembro disso.
Mas por que contar essa história? Porque sempre me considerei descartável com relação à amizade. O vácuo vem da infância. Tenho amigos, mas sempre acho que eles estão brincando com Livinha.

13 comentários:

Anônimo disse...

Toda amizade é fracionada. O vácuo, portanto, reside em como
divisarmos a extensão dessas frações (ou interesses). Meu leque de amigos é e sempre será limitado. Livinhas e Livinhos são e serão um estigma constante. Todavia, seguramente, duas ou três são fundamentais na minha vida. Uma delas é você.

Anônimo disse...

Identifiquei-me muito com esse sentimento de desimportância, um ser inodoro num mundo aromático. De qualquer forma, não expressam a realidade objetiva dos amigos, pelo menos no seu caso, tenho certeza disso. ,
Mas não vá querer roubar o assunto do meu blog... rs
beijo
Celso/Chorik

Senhorita B. disse...

Tive uma amiga exatamente assim. Alguns anos atrás, rompemos. Nunca, nunca me arrependi.
Bjs

Maria Judith. disse...

Ih, temos bastante em comum. Eu tive muitas dessas amigas da onça, e confesso que até achava que merecia ser tratada como descartável. Depois que descobri o orgulho e a vergonha na cara, além de perder a timidez, aprendi também a dar minhas porradas. A gente cresce, né?

PS. Estou adorando descobrir coisas que você não é.:)

Menina da Ilha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Menina da Ilha disse...

Não fique assim não. Silvia pagou caro por cada ruindade. Descontei tudo que podia. Você também não está tão besta como era não. Já evoluiu muiiiiiito.

Unknown disse...

"amigos são parentes que eu pude escolher". Nada, mas nada mesmo, nada na vida é melhor do que amizade. "Mais vale amigos na praça do que dinheiro em caixa". Já diziam que a casa de meus pais era um templo da amizade. Espero que a minha continue sendo.

Bernardo Guimarães disse...

é nada, menina! aquilo era birra de crianças. veja que todo mundo, mas todo mundo mesmo passou pelo mesmo que vc. eu tenho pouquissimos amigos; alguns conhecidos, deixei passar; os amigos, esses poucos, jamais livinharão.

Anônimo disse...

Mulher Alada, eu gosto tanto de você, nós somos muito parecidas. Beijos. M.

Anônimo disse...

Assim, sim, fica bem minha amiga. Achei bacana a cadeirinha de balanço. O livro do Marái sobre Canudos, realmente, está longe de ser dos melhores dele. Ative "velocidade de dobra" e nos traga mais relatos de seu mundo novo, esse que reecontra em sua memória prodigiosa. Abr. (carlos)

Muadiê Maria disse...

Quando eu era criança, éramos 3 meninas da mesma idade no prédio, e eu e Márcia brigávamos muuuuito, principalmente na disputa do amor de Wânia, a outra ponta do triângulo, que usufruia desse bem bom de ser disputada.
Wânia, há muitos e muitos anos não sei por onde anda,já Márcia, é uma amiga-irmã, que me deu uma sobrinha maravilhosa e caminhamos juntas até hoje. 37 anos de amizade.
Coisas da vida.
E se acenarem assim de novo, finja que nem viu.
beijos

Marcus Gusmão disse...

Espero que Menina da Ilha tenha razão, que você ainda mude muiiiito e dexe de ser besta!
bjs

Marcus Gusmão disse...

Um pedido: coloque uma busca no seu blog. Às vezes eu lembro de um post seu, quero rever e...necas.
Uma busca num site equivale a um índice em um livro. E este seu livro já está bem grandinho.
bjs