quarta-feira, 26 de junho de 2013

o meu Clark Gable


Ah, pai, que saudade eu tenho de seu cheiro. Lembro bem, o senhor me trazendo no colo, aos seis anos, da festa que dancei a noite inteira. Lembro do cheiro de seu pescoço, lembro da maciez de sua ternura, de seu cuidado, de seu zelo. Pai sempre foi a personificação do amor. O amor a todos, sem distinção. O homem que gostava de ajudar todo mundo, não para se mostrar melhor que os outros, mas por puro instinto. O amor nasceu dentro dele, como dentro da gente nasce orelha, boca e nariz, naturalmente: pedaço do corpo. Mãos bem morenas, queimadas de sol, quase negras, unha do dedo mindinho grande (nunca soube por que), cabelos crespos, bigode a la Clark Gable, e um olhar doce, mas tão doce...
Feito Hilda Hilst com o seu respectivo pai, lhe procurei a vida inteira. Por que eu lhe perdi ainda na infância, depois daquela festa em que o senhor me trouxe no colo. É a última lembrança de seu afago. Nunca nos separamos, mas nunca mais nos encontramos em afeto encarnado, a não ser nos livros e revistas em quadrinhos que o senhor fazia questão de trazer pra mim de Salvador, e de sempre elogiar meus poemas para mim e para os outros. Tenho lhe procurado como louca por onde ando. Já vi mãos iguais às suas, ternuras parecidas, olhares com a mesma extrema doçura. E eles, seres semelhantes, me abraçam, me trazem da festa no colo. Depois vão embora. Uma outra mulher sempre o captura, com a mesma sedução de minha irmã.

2 comentários:

Wandson Passos disse...

E pensar que encontrei este blog procurando alguma coisa sobre queda de nervos...

A curiosidade deu lugar a sensações, sentimentos, sorrisos e recordações.

Parabéns.

aeronauta disse...

Obrigada, Wandson, pela visita... Um abraço.