domingo, 30 de novembro de 2008

De todas as verdades


Cresci ouvindo mãe contar, aos risos, que tinha me achado no areão quente.
Em razão disso, desde pequena me aprumei numa tarefa complicada: achar vestígios de minha mãe biológica. Fuçava tudo em casa. Depois do almoço, quando mãe saía pra lavar pratos no rio, eu aproveitava e ia no guarda-roupa dela revirar sua bolsa, seus papéis, o bolso de seus vestidos. E nada. Todas as tardes era essa maratona. Fazia tudo escondido, e com uma fé forte e decidida: um dia descobriria minhas origens. E foi o que aconteceu numa tarde. Mexendo nuns papéis que pai guardava na sua maleta, encontrei! Zuleica, era o nome dela! Saí gritando pela casa, achei, achei! O papel balançava nas minhas mãos como a maior descoberta de minha vida.
Com os gritos todo mundo veio ver o que acontecia: pai pegou o papel e riu, riu, riu. Mãe também. Por que riam tanto? Oh, Zuleica era apenas uma amiga que deu entrada numa aposentadoria e pai tentava ajudá-la nisso. Foi o que eles disseram. E continuaram rindo. E aí mãe mais ratificou que me achou mesmo no areão quente. E riu, riu, riu, quase se engasgando. Eu, perplexa, senti meu couro das costas arder. Arde até hoje.



Imagem: www.flick.com

18 comentários:

Janaina Amado disse...

Nossa, Aero, coitadinha de você menina... Fiquei condoída.
Eu às vezes pensei que era adotada, também.
Beijo.

Anônimo disse...

Lá em casa também teve esse tipo de conversa, acho que era Tutu na pirraça comigo.

Bernardo Guimarães disse...

Pirraça de irmão, é certa; agora,confirmada por mãe, é de dar arrepios! é de sentir calor nos costados mesmo!

Fernanda Tourinho disse...

Oi Aeronauta,
Eu tenho um irmão "achado na lata do lixo", dizia meu pai. Coitado, acho que até hoje ele se sente meio fedido (rs). É um horror isso!
Lembro que certa vez perguntei a meu pai porque eu tinha sardas e ele sem se preocupar com minhas questões existenciais disse que era porque meu tio tal (irmão dele tinha). Fiquei calada, anos, evitando meu tio, com medo de descobrir que era filha dele... É preciso cuidado com a cabeça das crianças...
bjs
Fernanda

Edu O. disse...

tenho sido pouco assíduo aqui, mas gostei tanto das coisas que li: mosquitos, Neruda, amigos (?), origem, outras.... foi bom ler um monte de coisa na mesma hora. Adoro esse cantinho aqui!

Anônimo disse...

Aero, a chamada de seu blog dá um post novo "Homicida de Amigos" que não aparece. Cadê?

Anônimo disse...

Meu irmão mais velho dizia que eu vim de outro planeta, que os ets me abandonaram aqui, porque eu era muito fraquinha e estranha, mas minha mãe desmentia. Ainda bem. Beijos.

Maria Judith. disse...

Estou temporariamente fora do ar. Sem internet em casa, e sem tempo no trabalho. E ainda estou de mudença, com obras no ap novo, sem poder acompanhar de perto. Vou à noite, ver se fizeram certo ou errado..
Mas quando aparece um intervalo, dou uma olhada nos posts. Meio ausente, só meio...
Voltarei, espero, em uma ou duas semanas, com outros casos que acho engraçadinhos...

Menina da Ilha disse...

Nunca entendi essa brincadeira boba de mãe. E o pior é que ela sabia que você acreditava. Mas ela sempre se entregava quando dizia que tomou remédio para lhe abortar, porque ficou desesperada em saber que ia ter outra filha quando a outra acabava de completar 1 ano. Foi desespero mesmo. Mas você sabe que ela sempre puxou a sardinha para o seu lado. Não tem do que reclamar.

Muadiê Maria disse...

Meu irmão também dizia que fui achada no lixo, e isso me perturbava.
Imagino como vc fiou inquieta.
Um beijo,

Anônimo disse...

Como é que eu conheci Tina e não conheci você? Fico imaginando uma tarde passeando nos sebos e sendo apresentada aos livros e poesias que traz pra gente nos posts e lembro de uma amiga querida, talvez conhecida sua, Dan, que também escreve de forma tão especial, que me apresentou Adélia Prado, Hilda Hilst, Roberval Pereyr... Você tá cada vez melhor!

Anônimo disse...

Se Francis Ponge pudesse falar contigo, certamente diria: "- Não procure sua história apenas na praia, mas sim na própria areia, pois assim como a areia,também te moves com o vento. Sinta a areia, ouça suas vozes, e quem sabe ela te dirá de onde viestes." Amei sua história...

Anônimo disse...

Se Francis Ponge pudesse falar contigo, certamente diria: "- Não procure sua história apenas na praia, mas sim na própria areia, pois assim como a areia,também te moves com o vento. Sinta a areia, ouça suas vozes, e quem sabe ela te dirá de onde viestes." Amei sua história...

Marcus Gusmão disse...

Senti o couro das costas arder... Forte, Aeronauta. São as tais chicotadas verbais. E as piores são aquelas que quem deu nem sente que deu, nem sente que doeu, como era o caso de sua mãe. Meu pai também era bom nisso. E imagino que eu também seja. Espero viver o suficiente para ler os blogs das crianças. Ou não.
Mas enfim, uma das vantagens de você ser outra pessoa aqui é poder escancarar estas histórias, ir fundo, no fundo, do fundo e subir mais forte.

Anônimo disse...

Adotada e com asas nas costas, caída do céu no areão. E minha irmã, querida, que me fez acreditar que aquela canção de Michael Jackson, "Music", era cantada por um anjo? BJ

Anônimo disse...

Caramba, Aérea Persona. Depois dizem que as crianças é que são cruéis. A 10 mil pés suas costas não arderão mais. Abr. (carlos)

Maria Judith. disse...

Você tem sorte. Minha irmã foi achada no lixo.

hehe

aeronauta disse...

Obrigada a todos pelos belíssimos comentários!