domingo, 7 de dezembro de 2008

Nós e Papai Noel


Eu era bem feliz no tempo em que Papai Noel existia. Ele vinha sempre quando nós - eu e minha irmã - já estávamos dormindo. Não descia pela chaminé, entrava pela janela mesmo. Pai e mãe o ajudavam. Ele chegava e ia direto para o nosso quarto. Eu e minha irmã dormíamos em camas geminadas, separadas apenas por uma grade, e com um grande mosquiteiro em comum. Ele abria o mosquiteiro com os dedos mais leves do mundo e depositava meu presente aos pés da cama. Depois, com muito esforço, por causa da gordura, debruçava-se para colocar o presente de minha irmã nos pés da cama dela também. Tudo igualzinho. Em seguida, no mais fundo dos silêncios, ia para a casa vizinha.
Como esquecer o barulho que fazia meu pé batendo no papel de presente, ao acordar? Como descrever aquela felicidade? Não conseguirei não. Acordava minha irmã. As duas felizes, felizes, felizes. Papai Noel era bom, atendia direitinho aos nossos pedidos. Só duas vezes nos desapontou. Primeiro foi comigo, ao deixar no lugar do presente uma carta dizendo que naquele ano eu não ganharia nada: andava mentindo e respondendo aos meus pais. Chorei muito. Mas no final da carta ele mudou o tom da prosa e me deu mais uma chance: a boneca que pedi estava debaixo da cama. Entretanto, se eu continuasse malcriada, aquele era meu último presente de Natal. Lembro que passei os anos seguintes vivendo na tentativa difícil de ser sempre boazinha. Acho que continuo até hoje.
Com minha irmã foi muito pior. Aos dez anos, às vésperas do Natal, ela não pediu a Papai Noel nenhum brinquedo, nenhuma boneca, nenhuma panelinha. Pediu, isso sim, um par de sapatos. Parece que o pedido não foi visto com boa vontade, pois na noite de Natal o que estava em sua cama era algo no capricho do mais feio horror: um sapato branco, enorme e mal-feito, parecendo ter saído das mãos de Urbano, o sapateiro da cidade. Acordei com minha irmã sentada na cama chorando, dizendo que quando amanhecesse jogaria o sapato no rio.
Ela queria crescer, ser moça logo, sair desfilando pelas ruas com um sapato bonito. Mas, sabemos, Papai Noel não gosta dessas coisas.


Imagem: www.flickr.com

7 comentários:

Bernardo Guimarães disse...

Papai Noel...
nem quero falar disso!

Anônimo disse...

Papai Noel nunca apareceu pra mim, nem pros meus cinco irmãos. E nos sempre esperamos. Sempre.

Unknown disse...

Papai Noel continuou indo aos pés de minha cama e de meu irmão mesmo depois de pensarmos que ele não existia e deixarmos de mandar carta, ele mesmo escolhia o presente e trazia. No natal de 1968ele trouxe uma caneta parker esferográfica rosa para mim e uma azul para Tutu. Lá se vão quarenta anos, assim como, em 2009 completam-se 40 anos da morte de minha mãe.

Anônimo disse...

Eu continuo me deliciando com esse teu cantinho. Teu jeito de escrever, tuas histórias, tudo muito delicado, feminino e bonito.
Bjs

Menina da Ilha disse...

Ai meu Deus! Como sofri naquela noite com aquela aberração nas mãos.Coisas de mãe para me castigar por já não mais querer as bonecas e os brinquedos. Ela sabia o que um sapato bonito seria capaz de fazer. Por isso, você é testemunha da minha fixação pelos ditos cujos (bonitos, é claro). Está tão nítido na minha cabeça aquele presente, que sou capaz de desenhá-lo num fechar de olhos.

Nilson disse...

Concordo com Celso. São textos pra lá de bons, e que sempre nos trazem pra nossas próprias experiências. Por exemplo: lá em casa tb, como na de Maria, não se escolhia presentes. Aí uma vez meu irmão e meus primos ganharam carrinhos, e eu, uma sanfoninha...

Eliana Mara Chiossi disse...

Papai Noel é um estranho no ninho.


Bjs