terça-feira, 16 de dezembro de 2008

triângulo amoroso


Tenho grande amor por muitas coisas. No primeiro lugar de todas elas, meus livros. Algo quase doentio, de posse mesmo, de ter ciúmes quando alguém não me entrega do jeito que foi. Livro meu é algo sagrado, desde quando comecei a comprá-los, ainda menina. Lembro-me bem, e já contei em algum lugar nesse blogue, que os escondia de minha irmã, irrequieta profanadora de livros. Ela os lia comendo carne frita, gordurosa. A gordura da carne, óbvio, caía nas páginas, e isso me deixava nervosíssima. Aprendi a escondê-los e ela aprendeu a achá-los de madrugada, quando eu dormia, para poder lê-los à vontade, arreganhando páginas e miolo.
Todos os meus namorados sempre souberam, de antemão, sobre a importância dos livros na minha vida. Muitos tiveram ciúmes. Outros tentaram se aliar a eles para não perderem espaço. Só que as brigas vinham quando tomando-os emprestado me devolviam completamente diferentes de como foram. Ou então quando pediam emprestado e enrolavam, enrolavam, não liam e nem queriam me devolver. Isso sempre se tornou, para mim, uma grande decepção amorosa.
Certa tarde, peguei no flagra um então namorado lendo uma antologia de Pessoa, de propriedade minha, numa rede lá de casa, se balançando todo, comendo um pão enorme com manteira: a manteiga derretendo em seus dedos, braços, cotovelos... Quando vi aquilo dei um grito! Ele saiu correndo e se trancou no banheiro; claro, levando o pão com manteiga e Pessoa junto. Ah, senti muita ira! Bati com tanta força na porta que ele, se acabando de rir, resolveu me encarar. Me entregou o livro e o que eu fiz foi logo verificar página por página. Havia um borrão imenso de manteiga num poema de Mensagem. Quase morri de ódio.
Outro namorado tinha verdadeiro ciúme de mim com os livros. Era só eu escolher um livro pra ler e ele ia atrás puxando assunto. Quando eu pegava embalagem no primeiro parágrafo tinha que parar pra responder a uma pergunta sua. E nisso ele ia ganhando terreno. Aí eu de novo recomeçava a leitura interrompida. Então ele resolvia se sentar perto de mim e começar uma prosa longa, que por mais mais que eu quisesse não poderia me livrar. Ao perceber que tudo isso era estratégia, ciúme, acabei o namoro e fui ler meu livro em paz.


Imagem: www.flickr.com

11 comentários:

Marcus Gusmão disse...

Bela estante. Impossível ler seu texto sem lembrar do "devolva o Neruda", de Chico. Soraya tem a mesma agonia com os livros dela. Mas eu gosto de deixar marcas, mesmo que sejam de lápis, como tentativa de estabelecer um diálogo com o próximo leitor. E afinal,como nos relacionamentos humanos, não tem graça se não ficarem umas marquinhas.

Nilson disse...

E os livros, já tiveram ciúmes dos namorados ou ficam assim, convencidos, botando lenha na fogueira? Agora falando sério, se livros forem dados a isso, acho que os mais ciumentos devem ser mesmo os de poesia: temperamentais!!!

aeronauta disse...

Marcus, eu faço sim marcas nos meus livros: a lápis. Mas a possessividade só permite que eu faça (nos meus, claro). Adorei você ter lembrado o "devolva o Neruda" -acho forte esse trecho de "Trocando em miúdos".
Nilson, adorei pensar sobre os ciúmes dos livros, e os de poesia então: realmente, você está certo: eles seriam os mais ciumentos.

Bernardo Guimarães disse...

gosto imensamente de ler mas não consigo me apegar aos livros. não os desrespeito violentando-os, mas adoro entregar a alguem, um livro que achei ótimo ler. e não anoto, termino sem saber com quem está, mas sei que está cumprindo seu papel. minha estante é um mangue!...

Anônimo disse...

Lembra daquele exemplar de Hilda Hist que almejara certa feira na ocasião que me hospedou? Ainda continua como uma tara secreta.

Anônimo disse...

Aquele negócio de bookcrossing então nem pensar né aeronauta? Visite o www.livroparavoar.com.br e passe mal. rs
Bj

Janaina Amado disse...

Feliz o tempo em que namorados brigavam por livros!

Senhorita B. disse...

Sinto um ciúme horrível dos meus livros favoritos. Entendo bem você, Nauta!
Bjs

Muadiê Maria disse...

Aero, você me fez lembrar que tive um namorado que não me devolveu O amor nos tempos do cólera. ;)
Acho que já perdoei.
bjo

Anônimo disse...

Meus livros especiais eu ponho na estante do quarto e ainda boto Billy Negão de vigia. BJ

Menina da Ilha disse...

Era pura invenção sua só para eu não ler seus livros. Queria que eu lesse sem abri-los totalmente como fazem as pessoas normais. Aliás, você faz é assim para ler, não é? De ladinho cada folha, para não abrir todo. Meu Deus, quanto loucura por causa de um livro, sem falar na sua "nóia" por livros fedidos dos sebos.