sexta-feira, 4 de julho de 2008
Aeronauta, a escrevente
Fui uma escrevente de cartório... que trazia dentro da gaveta, escondidos, duas coisas: um livro de literatura e uma caixa de chocolates. Sempre as roubadinhas me fascinaram. E bem nas fuças do escrivão... Mas eu não era doida de oferecer chocolate pra ele, muito menos de dar a oportunidade de ser lembrada que ali não era lugar pra ler literatura. Fazia tudo escondido, que é mil vezes melhor. Vivia em estado de pura tensão e excitação, todos os dias. Essa felicidade clandestina me ajudava a suportar as tristes tardes sonorizadas por um ventiladorzão besouro que espalhava todos os processos no chão. E a labuta com esses serezinhos horrorosos que são os chatíssimos processos? Tudo foi compensado pelo desejo intenso de uma vida em constante perigo. Enquanto suportava a tortura, que era bater mandados e cartas precatórias na máquina, dava uma roubadinha na gaveta: o livro e a caixa de chocolates viviam abertos. Ainda bem que escrevente não é gente, nem para o escrivão nem para aqueles que procuram os cartórios. Muito menos para os juízes. Porque senão teriam visto tudo. Eu era destrambelhadamente criminosa: certa vez ao abrir a gaveta, chocolates caíram no chão. Ninguém viu. Outra feita me esqueci que estava trabalhando num cartório e peguei meu livro, coloquei-o na mesa e comecei a ler, tranqüilamente. O escrivão nem olhou. Mas eu não poderia arriscar sempre. Um dia ele iria perceber, e o flagrante não seria nada agradável. Melhor era manter aquele romance escondido, aproveitando bem o invisível de minha presença naquele mundo de cadeiras giratórias e homens de paletó.
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9 comentários:
Oi, Aeronauta, passar aqui é quase um vício. Você escreve bem pra caramba, sabia? Bj
Quanto tempo isso durou, Nauta? Como vc sobreviveu? Já chorei tanto em cartórios, tanto! rs.
Cada dia melhor a tua escrita
Mais afinada, "mas" afiada
Sempre
verdadeira como os dias dessa vida
Temporária
Que se não podem nem esconder
Dentro de uma gaveta vazia
Aeronauta, nunca entendi a sua paixão pela literatura e por chocolates, mas hj vejo que é isso que te mantém viva! Continue escrevendo mesmo de forma "escondida" como neste blog...
P.
concordo com kátia borges...
Kátia: Obrigada, e volte sempre!
Personagem Principal: Isso durou alguns longos anos, e sobrevivi graças a essas transgressões.
Carlos Rafael: Você sempre tão assíduo e fiel... Obrigada.
Anônimo P.: Agora parece que você entendeu as minhas duas compulsões.
Katherine: Agradeço suas palavras.
Isso que é viver perigosamente hehehe
ah! escreve como escritora, tá? não como escrevente.
Descobri esse texto sem querer e achei massa!
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