quarta-feira, 16 de julho de 2008

Fusquinha das cores

Uma coisa que me fascina em Trem das Cores de Caetano Veloso é aquele verso "e a seda azul do papel que envolve a maçã". No meio da viagem de trem ele consegue enxergar uma coisa que só Francis Ponge conseguiria; sutil demais. Por isso levo essa canção para minhas aulas, a fim de que os alunos comecem a estudar literatura não através de conceitos, mas de vivências com os sentidos, com o jogo sensorial que a arte nos proporciona.
Estava na sala de aula em pleno deleite com essa música quando me veio à lembrança uma outra viagem. Aliás, outras viagens. Aquelas que fazíamos em família. Mãe e pai no banco da frente do fusquinha marrom, e eu e minha irmã no banco de trás. Brincávamos de dividir as coisas que víamos das janelas do carro: o que eu via do meu lado era meu e o que ela via do lado que estava, era dela. O pior é que a sortuda tinha tudo do melhor: matas verdíssimas, fazendas maravilhosas, riachos lindos, vacas gordas... Enquanto que no meu lado se repetia as mesmas pobrezas: jegue magro, ranchos de palha, meninos nus e melequentos, tristezas, etc. Essas viagens não variavam: habitualmente íamos para os mesmos lugares. Assim, o que víamos e tínhamos também. O segredo, portanto, do sucesso de minha irmã era óbvio, pois ela não abria mão de ficar sentada no banco atrás do motorista...
Foi a partir desse tempo que comecei a notar que estar perto de pai trazia algumas certezas; uma delas era a recorrência em ver e ter lindas paisagens.

*Esse texto tenta homenagear os dois filhotes de Marcus, em viagem, lá no blogue Licuri.(http://licuri.wordpress.com/ Post: "Minuto de paz")

5 comentários:

Anônimo disse...

Oh, Aeronauta, eu chovi.

Unknown disse...

de manhã li as cores, quantas cores! no comecinho dos 60, com amigas nos consertos da reitoria tínhamos as pessoas... um dos meus era "marcelo alufante" (até os nomes "próprios" eram nossos).
agora vi seu recado no "continhos", Rosália está, como se dizia... "nas boas casas do ramo". A Editora Record distribui bem - mas não divulga. Vamos de um em um velsando e revelsando, dizendo ao outro que leia porque gostou ou porque não gostou...

Senhorita B. disse...

Você escreve coisas que fazem meu coração ficar pequenino.
Beijos!

Anônimo disse...

Ah, essa sua irmã, Aeronauta. Pegue esta garota bem lá numa daquelas esquinas do passado e corte a danada na bainha de facão.

Nilson disse...

O verso da seda azul é realmente na mosca: maçã na minha infância, na feira de Brumado, era envolta naquele papel curioso e foi uma espécie de epifania ouvir aquilo na música de Caetano, tempos depois. Algo parecido lendo agora esse texto seu, e tb o do pai, mais acima. O meu ainda tá vivo, mas tem uns hábitos parecidos. Me tocou.